hdfd #14

HOMEM DE FIRME DESTINO – CAPÍTULO XIV
(Onde o herói copula com uma assombração que mais tarde se revela uma prolífica escritora livros de de auto-ajuda)

m.n.f / 2007 ? 8

Naquela noite de lua cheia, nas redondezas do velho castelo do Conde de Langresgraais, um gato preto como a escuridão correu por baixo de uma escada. O episódio, por assim dizer, poderia deixar alguns supersticiosos realmente confusos: se um gato preto, cuja corcunda carrega a encomenda da má-sorte aos outros, acaba ao custo de rara coincidência ele também contraindo algum azar ao passar por baixo de uma escada (o efeito seria o mesmo de dois gatos pretos se entrecruzando em uma esquina) teria ele anulado a maldição? Ou somente potencializado seu efeito, ficando ele mesmo tão azarado quanto os desafortunados com quem encontra? Para o esfomeado Homem de Firme Destino, cujo estômago já começava a digerir o próprio vazio num doloroso processo de autofagia mais física que espiritual, era algo que definitivamente não lhe dizia qualquer respeito. Ocorreu-lhe, então, desistir do gato. Além de astuto, o bicho era tão mirrado que de tão magro não lhe renderia nem mesmo uma sopa. Haveria de prosseguir a caçada, o Homem, não tivesse ele a ambição comum somente aos grandes heróis e desafortunados. Eis o que os ventos supõem: a muralha do castelo do Conde de Langresgraais, iluminada pela luz azul da lua, era por si mesma um mistério: uma espécie de cortina a encobrir um todo um universo de possibilidades – dentre elas, a de encontrar um banquete dos mais ricos regado a vinho e carne de caça, gentilmente servido e compartilhado pelas damas da corte – aristocratas, nobres, serviçais, escravas, de origens étnicas as mais diversas – vestidas com seus espartilhos apertados tais máquinas de tortura, e, ainda, sorrindo docemente apesar da carne da cintura brutalmente transferida para partes mais nobres quais as nádegas e os seios. Ora, pois, com o apetite em que estava as devoraria mesmo na mesa, ainda com uma costela de faisão a assobiar entre os dentes, as mãos gordurosas, e assim varreria o vazio do estômago e saciaria ainda seu companheiro, o cavalheiro da retumbante figura: eis aqui a justiça e a igualdade entre irmãos. Mal havia se aproximado do fosso que cercava o castelo, onde anunciaria sua chegada a pedradas, e a ponte levadiça esticou como uma língua de ferro. Sem pestanejar, realizou a travessia como um inseto prestes a ser engolido. Chegando ao pátio, onde o mato era vasto, nada vivo encontrou exceto por alguns morcegos e ratos que logo fugiram. Talvez, disse às paredes, esse amontoado de rochas e insetos fosse de mais valia ao gato preto que, vá lá, também merecia um repasto. E assim, como uma fagulha de esperança, algo se pronunciara à sua frente. Estava ali um soldado medieval de traços marcantes: levemente transparente, de nariz grande e uma machadinha cravada no meio do crânio, que lhe dava, por assim dizer, certo reforço ao seu estilo medieval. Sem mencionar palavra e protegendo a retaguarda, o soldado escoltou o Homem de Firme Destino até o salão principal onde se encontravam os outros de sua estirpe, os fantasmas. O soldado, então, parou. E com o ar mais indiferente desse mundo se desfez em uma espécie de poeira, alcançando um efeito pirotécnico ainda mais interessante que a machadinha na cabeça. O Homem de Firme Destino compreendeu, naquele instante, que o antigo castelo do Lorde de Landergaais havia se rendido não às guerras e a guerreiros, mas à fúria dos tempos modernos, que lhe transformou em hotel que, embora medieval, era ainda assim somente um hotel, freqüentado por fantasmas de nobres, aristocratas e etc. dos mais longínquos séculos em busca de entretenimento vazio e barato. E, assim, quando estavam entediados demais, eles arrastavam pelo castelo suas grossas correntes, derrubavam objetos pela casa ou simplesmente percorriam os cômodos para abrir e fechar portas rangentes – porque assim se sentiam vivos, como quando não podiam simplesmente atravessar as paredes. Pois bem: portas rangiam, correntes eram arrastadas e objetos flutuavam no ambiente quando avançou pelo salão o Homem de Firme Destino, o obstinado, que logo cravou os dentes na massa de ectoplasma de uma entidade que ali na sua frente estava a se materializar: possuído pela fome, terminou por devorar a perna esquerda da antiga Condessa de Langresgraais. Foi então que, tentando contornar a situação em que acabara de condenar uma alma penada a vagar pela eternidade sem uma das pernas, uma falta de modos descomunal, diga-se, tratou de recompensar a assombração com o mais intenso prazer carnal. Sussurros sensuais & sombrios, gemidos lamuriosos ensandecidos, arrepios em cada pêlo de seu magro corpo; com o da retumbante figura a deferir violentas estocadas na massa translúcida como se flutuasse nas nuvens – estava a currar a assombração com invejável empenho. Os mais supersticiosos, deixando um pouco de lado a problemática do gato preto e a escada, passariam então a discutir as questões éticas do sexo entre corpo e espírito. Mais tarde o caso ganharia maior atenção e popularidade com os best-sellers de autoria da própria Condessa, que se revelou uma prolífica escritora dos maiores livros de auto-ajuda jamais psicografados. Dentre seus sucessos, podemos destacar os inconfundíveis “Porque humanos fazem sexo e fantasmas fazem amor”, “Sexo após a morte: uma questão de espírito”, “Morri. E daí?”, “A vida começa aos 670” e o polêmico “Na cama com Deus – As revelações da Condessa de Langresgaais”. A autora, que jamais obteve sucesso em vida, nega os boatos sobre a existência de um ghost writer.

Acreditem ou não, foi assim que, naquela noite de lua cheia nas redondezas do castelo do Conde de Langresgraais, o Homem de Firme Destino provou que não existe obstáculo suficientemente grande para o amor. Em todo caso peço para que não deixem para encontrar o amor verdadeiro somente após a morte, quando serão vocês mais respeitados e queridos, que nunca se sabe…

Outros capítulos, aqui.

conto #09

OUAGADOUGOU
m.n.f., 07/01/2009

Jonas, 54, 98 kg, 1,74 m, heterossexual, divorciado, 1 filho (este, homossexual), graduado em administração, especialização em marketing, ex-goleiro de futebol de salão amador pela equipe da Saldanha & Associados, adepto do implante capilar, considera-se feliz. Eis que particularmente feliz ficou quando num 19/10, aniversário de Alfredo, o filho homossexual, Jonas, sentado numa praça, preencheu a última coluna do Almanaque de Palavras Cruzadas, edição ouro, ao descobrir ser Ouagadougou a capital de Burkina Faso, na província do Kadiogo. Foi o que lhe disse um conhecido, Seu Astolfo, professor de Geografia que nutria muita simpatia pelo jovem Alfredo, um bom rapaz, dizia, lembrando de como tivera seu pênis apalpado por ele quando solicitado: Ouagadougou. Mais tarde, distante o suficiente para que esquecesse o tal dia, Ouagadougou foi uma das palavras que saltaram da boca de Jonas quando surpreendido por um bicho no quintal de casa, uma lagartixa entre os dentes do animal: Ouagadougou, porra de gato fodido. Deste modo, de repente, com um nome vindo de um compartimento escuro e úmido da memória de Jonas, o bichano foi batizado. Ouagadougou era, então, não mais uma cidade africana dos seus 997 mil habitantes. Era um bicho magro, preto, de cabeça desproporcional e rabo quebrado, cascas de ferida na orelha e um par de olhos amarelos que pareciam duas tigelas vazias –  então, Jonas servia Ouagadougou de leite e enchia as tigelas vazias de alegria. Ouagadougou aparecia de quando em vez, chegava com fome e saía de barriga redonda. E assim, dia após dia, uma rotina foi se estabelecendo. Quando não vinha, Jonas lembrava de todos os gatos atropelados do mundo, ou daquele dia em que sentiu um trepidar brusco na estrada, um montinho miúdo na escuridão sem fim do retrovisor. E assim era Jonas: mergulhado em pensamentos sombrios quando dava pela falta do gato. Então, ouvia um miado esgarniçado, as duas tigelas vazias pedindo leite, e lá estava ele, Ouagadougou. Assim seguiam, Jonas, Ouagadougou, os dias e as noites, os intervalos entre as visitas diminuindo. De tal modo, que não custou para que passasse mais tempo em casa do que na rua e, consensualmente, passasse a ser tratado por “Gudu”, uma pronúncia mais amigável para Ouagadougou. Não tão consensualmente, talvez, porque aqui nos referimos a ele pelo nome inteiro, leitor, com alguma reserva.

Mas saiba que agora mesmo Ouagadougou rorona sobre a coxa esquerda de Jonas, que balança na cadeira de balanço – o mundo balançando, balançando feito a maré: o céu azul, subindo, os fios dos postes, a rua morta. O silêncio é quebrado quase nunca. O sino do caminhão do gás, um carro ou outro que cruza a rua, o chiado no paralelepípedo parecido com o da chuva caindo. Tudo devagar, devagar, devagar… O sol desce assim, devagar, e por trás da cigarreira o céu vai se pintando laranja. Jonas puxa assunto com o gato. Vamos fugir para o interior, Gudu, só eu, você e a estrada. Ouagadougou estica as patinhas com preguiça mostrando as unhas, e volta a dormir. Jonas se balança na cadeira de balanço, que balança o mundo com ela. O céu laranja, subindo, os fios dos postes, a rua morta. O vai e vem da cadeira é como o vai e vem do mar. A maré está calma, hoje. Jonas não consegue lembrar qual foi a última vez que teve uma conversa decente com o filho Alfredo. O menino bem ali, não tão bem, deitado no sofá com o nariz antipático enfiado em Dorian Gray, o ar mais indiferente desse mundo. Virou tão estranho quanto íntimo. Ele poderia estar na casa da mãe, mas não. O rapaz gostava mais dela, isso era nítido, porque ele dizia: gosto mais dela. Acontece que, num dia qualquer, decidiu morar só – assim, do nada – sem emprego, sem dinheiro. Foi morar sozinho, sozinho com o pai. Ouagadougou, de início, fez o mesmo: apareceu para morar sozinho com eles. Mas, agora, o único naquela casa ainda a viver só era Alfredo. Cai a noite. A cigarreira fecha, as cigarras cantam, o cigarro acende. Ouagadougou, que podia facilmente dormir 20 horas por dia, bate o próprio recorde e não interrompe o sono nem quando solta um espasmo de contrair os bigodes. Sonhava correndo de um cachorro, atrás de um rato, ou com qualquer coisa. Está escuro. Completamente, não fosse pelo claro dos postes. Jonas pensa em levantar da cadeira e acender a luz. Se mexer a perna, acorda o gato. Pensa melhor, deixa como está. Alfredo dorme. Está coberto, o menino. Tudo está calmo, calmo como uma maré calma. Jonas olha para a lua, subindo, os fios dos postes, a rua morta.

Δ * Δ * Δ

:)

“Sapatada”, por José Saramago

Pronunciamento de Saramago sobre a sapatada do jornalista iraquiano em George W. Bush, o incompreendido.

O Golpe Final

O riso é imediato. Ver o presidente dos Estados Unidos a encolher-se atrás do microfone enquanto um sapato voa sobre a sua cabeça é um excelente exercício para os músculos da cara que comandam a gargalhada. Este homem, famoso pela sua abissal ignorância e pelos seus contínuos dislates linguísticos, fez-nos rir muitas vezes durante os últimos oito anos. Este homem, também famoso por outras razões menos atractivas, paranoico contumaz, deu-nos mil motivos para que o detestássemos, a ele e aos seus acólitos, cúmplices na falsidade e na intriga, mentes pervertidas que fizeram da política internacional uma farsa trágica e da simples dignidade o melhor alvo da irrisão absoluta. Em verdade, o mundo, apesar do desolador espectáculo que nos oferece todos os dias, não merecia um Bush. Tivemo-lo, sofrêmo-lo, a um ponto tal que a vitória de Barack Obama terá sido considerada por muita gente como uma espécie de justiça divina. Tardia como em geral a justiça o é, mas definitiva. Afinal, não era assim, faltava-nos o golpe final, faltavam-nos ainda aqueles sapatos que um jornalista da televisão iraquiana lançou à mentirosa e descarada fachada que tinha na sua frente e que podem ser entendidos de duas formas: ou que esses sapatos deveriam ter uns pés dentro e o alvo do golpe ser aquela parte arredondada do corpo onde as costas mudam de nome, ou então que Mutazem al Kaidi (fique o seu nome para a posteridade) terá encontrado a maneira mais contundente e eficaz de expressar o seu desprezo. Pelo ridículo. Um par de pontapés também não estaria mal, mas o ridículo é para sempre. Voto no ridículo.

16/12/08,  José Saramago.

Texto extraído do Caderno de Saramago.

Abraço Fraterno,
Márcio N.

Vira-Latas _partindo seu coração

Muito bonitos, os três vídeos abaixo: o primeiro são imagens da câmera de vigilância de uma rodovia dias atrás em Santigo, Chile, onde um cão resgata outro cachorro de rua, atropelado. Ele se enfia por entre os carros e arrasta o amigo para um lugar seguro. O vídeo seguinte é sobre um cão que salva filhotes de gatos em um incêndio na Austrália – o cachorro foi encontrado pelos bombeiros inconsciente, esfumaçado e vivo. No último, absurdamente triste, uma sequência de fotos de um cachorro que se despede e protege um amigo ferido na estrada.

Regastando cão em auto-estrada

Salvando gatos

Despedida

Não são três cães e três histórias. Eles são o mesmo vira-lata, que é todos os vira-latas, e são a mesma história, que é todas as histórias dar um nó na garganta. Se achar mais, ponho aqui.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Direto do Bunker _nadopólis

Resumo das principais manchetes da última semana, destacadas de um jornal de bairro que apareceu por aqui:

• Água da praia de Ponta Negra é considerada imprópria para menores.
• Turista engravida após banho de mar: nível de sêmen na água é alarmante.
• Baobá é cortado em homenagem a Saint-Exupery.
• Família é encontrada vivendo dentro do Baobá.
• Família que morava em Baobá já estaria na 4º geração.
• Homem é flagrado no centro da cidade ao meio-dia.
• Ponte de Todos é a Golden Gate brasileira.
• Vista de Natal do alto da Ponte de Todos motivaria suicídios.
• Casa de Djalma Maranhão é totalmente restaurada e vira clínica.
• Sem-tetos que teriam tomado Farol de Mãe Luíza sofrem de insônia.
• Para INCRA, Câmara dos Vereadores é terra improdutiva. MST festeja.
• Encontrada alta concentração de fósseis na Afundação José Augusto.
• Em trote, calouro da UFRN é confundido com mendigo e é queimado vivo.
• Pedintes protestam contra tomada das ruas por calouros da UFRN.
• Aluna da UnP sofre ataque de histeria ao ver um proletário pardo.
• Prostitutas natalenses podem virar uma das 7 maravilhas do RN.
• Prefeita de Natal é flagrada em skibunda totalmente nua.
• Skibunda da prefeita desaparece misteriosamente.
• Turistas  consideram ato da prefeita um gesto de ufanismo.
• Turista é preso por tentativa de ufanismo.
• Plano descoberto: Dunas móveis planejavam fuga.
• Língua do “P” pode virar idioma oficial de Natal.
• Italiano, espanhol e inglês podem virar idiomas oficiais de Natal.
• Natalenses desconhecem a existência de um idioma oficial.
• Câmara dos Vereadores propõe fim do idioma.
• Corpo de turista é encontrado cozido em piscinas térmicas de Mossoró.
• Mossoroeses incluem “gringo cozido” na culinária local.
• Construtora investe em megaempreendimento com vista para a África.
• Câmara dos Vereadores propõe fim do salário.
• Erosão conhecida por Morro do Careca decepciona turistas.
• Criança encontra burro enterrado sob Morro do Careca.
• Burro enterrado sob Morro do Careca seria macumba.
• Dromedários de Genipabu recebem auxílio psicológico.
• Psicóloga fica grávida de hexagêmeos, sendo que um é um dromedário.
• Quantidade de bocejos elevada faz o ar de Natal mais rarefeito.
• Cajueiro de Pirangi cai para 5º maior do mundo e Pitombeira em Caicó concorre ao título de maior árvore do Seridó.
• Posto de gasolina indicado pela VEJA como melhor lugar para beber.
• Adolescente confunde gasolina com cerveja e passa mal.
• Gasolina é a “nova caipirinha”, apontam especialistas.
• Pessoas se divertindo no Carnatal seria efeito de computação gráfica.
• Tsunami varre Natal, Semurb agradece.

Um espanto. E ainda dizem que nada acontece por aqui.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Com a prudente contribuição de Gabriel, sempre atento ao mundo.

Lenda reavivada + notas

Venho por meio desta informar que este bunker, abrigo afetuoso criado para protegê-los de intempéries diversas – sobretudo a chuva de merda que assola nossos dias – vem enfrentando sérios problemas de espaço. Algumas notas breves em um só artigo, portanto:

LENDAS I

Ontem de noite uma mãozinha cadavérica me acenou lá do fundo do juízo, era mais uma lenda natalense.  Essa, ao invés de apelos do sobrenatural cedia espaço a um perigo pé-no-chão: quando no início dos anos 1990 o Playcenter esteve em Natal espalhou-se a notícia de que assaltos estavam sendo cometidos pelo “Homem da Cobra” no brinquedo conhecido como “Casa do Terror” – era assim chamada aquela modalidade de trem-fantasma sem trem, onde você caminhava a pé num escuso labirinto habitado por monstros, caveiras, múmias, fantasmas, corpos esquartejados etc. Na ocasião em que lá estive, era criança, perguntei amedrontado a uma caveira sobre os assaltos – não tinha perigo, ela disse, que eu podia ficar tranqüilo. Depois, soltou um gemido e desapareceu na escuridão. Esta história incluirei no rol das lendas natalenses, dois artigos abaixo.

LENDAS II

Algumas informações foram questionadas no artigo das lendas. Por exemplo: o caso das balas sam’s pertencia na verdade às balas Vamelle; ou o Diabo da Lambada usaria um sobretudo e não um terno -uma incongruência que colocaria sua sabida elegância à prova. Não mudarei, portanto, uma virgula sequer. Que boato cada um faz o seu.

SHOWBUSINESS, CELEBRIDADES ETC

Conversava com Levino sobre o desgosto que senti em ver Mallu Magalhães, limpinha e saudável, emaranhada nas barbas de M. Camelo. Então, profetizou: disse a mim que o próximo casal seria Rodrigo Amarante e a apresentadora-mirim Maísa. Peraê, isso não é lá coisa que se comente, rapaz. Como não valia a pena abrir um artigo para falar da vida alheia, bastou só abrir um parênteses nesse.

AO INFINITO E ALÉM

Muito boa essa imagem lançada no blogue de Levino, que me pagou uma boa quantia para ter seu nome citado aqui duas vezes.

Até a próxima.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Lendas Natalenses _boatos & cocorotes

Homem-Fóssil

Tenho uma sugestão: na falta de acontecimentos reais interessantes que passemos então a tomar nota das nossas mentiras. E, como as melhores mentiras, elas podem ser registradas conforme o figurino, com o sensacionalismo dos jornais populares. Ou isso, ou os caderninhos de História do Rio Grande do Norte das gerações futuras continuarão tendo a mesma serventia de hoje, que é a de acumular baba e enrolar fumo no pátio – que passem a enrolar besta, ora, é melhor.

Abraço fraterno,
Márcio N.

 LENDAS NATALENSES
– EXCERTOS DE UM CADERNO SENSACIONALISTA –
Departamento de História do Bunker; Professor Cascudinho; 2008.

DIABO DA LAMBADA (1992 ~)
Noites quentes no Mandacaru Casa Show

De óculos escuros, terno, chapéu e exímio dançarino. O “Diabo da Lambada” era freqüentemente visto no Mandacaru Casa Show, geralmente sendo disputado nas pistas de dança. “A gente sentia aquele fogo subindo e quando via já estava dançando” – explica V. (32 anos, casada). “Era uma tentação, Deus me livre cruzar com ele de novo” – completou. Um acontecimento incomum, no entanto, provocou espanto entre os freqüentadores da casa. O Diabo estava no banheiro lavando as mãos, parecia uma pessoa normal, quando de repente se apresentou como o tinhoso em carne e osso. Naquela ocasião o Diabo da Lambada foi visto sem o seu usual chapéu, paletó e óculos escuros, revelando um par de chifres, cauda e olhos em brasa. “Já vi muitos chifres por aí, mas nunca tão assustadores… e pontudos” – revelou P., o zelador. Depois do episódio muitas mulheres recorreram a auxílio espiritual nas paróquias. Já outras, admitem sentir saudades do pé-de-valsa e afirmam que iriam até o inferno atrás dele – um dia, quem sabe…

BALAS SAM’S (1990’s ~)
O uso da cocaína para viciar crianças

Ministério Público investiga a SIMAS INDUSTRIAL, das balas Sam’s, que está sendo acusada de injetadar doses de cocaína em seu produto. A suspeita partiu de pais de estudantes do nível primário, que acreditam ser do interesse da empresa induzir em seus filhos a dependência pelas balinhas. “Primeiro eu notei um comportamento estranho, uma certa agitação, até que o flagrei pegando dinheiro escondido para sustentar o vício.” – desabafa um pai que luta para salvar o filho dos doces. Quando vistas de perto, as balas Sam’s apresentam uma micro perfuração da espessura de uma agulha, com uma aréola esbranquiçada ao redor. As autoridades ainda não emitiram um laudo oficial sobre o caso, mas adiantam que tudo está sendo feito para esclarecer a questão o mais breve possível. “Por via das dúvidas, pais e crianças devem optar por produtos de outras marcas” – aconselha um gerente regional de uma concorrente. A Sima’s Industrial tentou se manifestar sobre o assunto, mas ninguém lhe deu ouvidos.

COBRAS NO MOTEL (2001 ~)
Casal sofre ataque e uma jovem morre

Contam de um caso ocorrido em um motel em Parnamirim, cidade satélite de Natal. O que parecia um encontro amoroso teve um fim trágico quando uma jovem moça foi fatalmente picada por uma dúzia de cobras cascavéis que tinham como ninho o colchão do seu quarto. “Ela não queria ir, mas eu insisti, disse que aquele seria o nosso ninho de amor… a culpa foi toda minha” – desabafou o namorado desolado. “Ela sorriu quando viu as cobras, pensava se tratar de um brinquedo.” – completou. Embora ainda não se tenha uma conclusão sobre o caso, o fenômeno de serpentes habitando o interior de colchões pode ser um reflexo do avanço imobiliário nos últimos anos, que vem provocando o desmatamento da vegetação nativa na região. “Sem seu habitat natural, esses animais buscam abrigo em outros locais.” – explica P., bióloga. Os proprietários do Motel se dizem profundamente chocados com o episódio, e afirmam que desconheciam a existência de cobras daquela espécie no estabelecimento.

COBRA NO PARQUINHO DO MCDONALD’S (2001 ~)
Menino é atacado enquanto brincava

Um exemplar de cobra foi encontrado no parquinho do McDonalds. A presença do estranho visitante foi descoberta quando ele picou um menino de 12 anos que infelizmente morreu no local. “Quando chegamos sentimos algo estranho, mais tranqüilo, e então notamos que ele não tinha voltado com a gente.” – contou a mãe por telefone, que aproveitou o luto para viajar a Fernando de Noronha. Após o incidente, vários pais levaram crianças ao parquinho para que eles conheçam a cobra, o que obrigou o IBAMA a interditar o McDonald’s para proteger o espécime. “É uma experiência empolgante: sabemos que a cobra continua lá, em algum lugar na piscina das bolhas de plástico.” – comenta P.,  bióloga. Acredita-se que seja a mesma cobra que atacou o casal em um motel, dias atrás. Aproveitando a publicidade em volta do caso, o McDonald’s anunciou que dará o nome de Cascavel a um dos seus sanduíches.

BEBÊ-DIABO PREVÊ DESABAMENTO DO MIDWAY MALL (2005~)
Tragédia tem data marcada e pode acontecer com as chuvas

O inverno chegou trazendo fortes chuvas e com elas sérias preocupações aos freqüentadores e funcionários do Midway Mall, o maior shopping da cidade, amaldiçoado pela profecia do Bebê-Diabo. Durante um parto incrivelmente fantástico e cheio de mistérios, correria e pânico por parte de enfermeiros e médicos, uma senhora deu a luz, no Hospital Santa Catarina, a uma estranha criatura, com aparência sobrenatural, com todas as características do Diabo encarnado. O bebêzinho, que já nasceu falando e ameaçou sua mãe de morte, que de fato morreu de hemorragia, tinha o corpo totalmente cheio de pêlos, dois chifres pontiagudos saltando do crânio e um rabo de aproximadamente cinco centímetros, além do olhar feroz, em brasa, que causou medo e arrepios. A enfermeira, ao segurá-lo, comentou assustada: “Que bebê feio!”, no que ele respondeu: “Feio? Feio é o temporal que vai derrubar o Midway Mall no dia 26”, depois soltou um grito macabro e morreu logo em seguida. Desde que o caso ganhou popularidade, empresários se queixam da queda nas vendas do shopping, que perdeu parte do movimento. Mas, quando questionados se acreditam ou não na história, um deles admite, irredutível: só volta ao shopping quando as chuvas cessarem. “Negócios são negócios. Mas a vida… essa é só uma.” – finaliza. 

Danou-se ↑ Vejam este vídeo indicado por Igor (comentários) sobre o caso.

RATINHO (80’s – 90’s ~)
Famigerado trombadinha aterroriza estudantes

Os alunos de escolas particulares de Natal têm sido alvo de freqüentes assaltos praticados por um marginal de vulgo “Ratinho”. Apesar do corpo raquítico, o respeito de Ratinho somente cresce na medida em que os assaltos ganham popularidade. A abordagem mais freqüente de Ratinho seria inicialmente pedir um ticket-estudantil em paradas de ônibus para só então concretizar o assalto. “É uma estratégia inteligente, aos poucos ele faz uma avaliação do perfil psicológico da vítima” – avalia o diretor de uma escola, que preferiu não se identificar. Alguns acessórios atraem a atenção do malfeitor, como relógios Casio Shock, Tênis M-2000 e bonés da NBA. As ocorrências têm mostrado um desempenho fora do comum do assaltante. Além do Alecrim e Cidade Alta, ele atua nos bairros de Lagoa Nova, Tirol e Petrópolis – onde se concentra a maioria dos colégios particulares. “Talvez outros trombadinhas têm se apresentado como ‘Ratinho’ para impor respeito” – afirma o policial – “Só assim para explicar sua presença em lugares tão diferentes num intervalo de tempo tão curto”. Alguns estudantes atribuem poderes sobrenaturais ao assaltante, e se negam a assistir aula, admitindo ser mais seguro permanecer em casa jogando videogame.

CABEÇAS DE GATO NO THIN-SAN (1980’s ~)
Restaurante chinês teria incluído gatos no cardápio

Cerca de 30 cabeças de gato foram encontradas em um lixeiro em frente ao restaurante Thin San, no bairro de Petrópolis. “O lixo estava meio aberto quando peguei, então vi os olhos de um bicho olhando pra mim!” – contou um gari. Para as autoridades da Covisa este é um caso delicado que merece uma apuração cuidadosa. “Precisamos saber se os gatos estão sendo preparados com os devidos cuidados de higiene.” – esclarece. Clientes e moradores do bairro estão chocados com a descoberta. “É terrível. Eu adoro gatos, eles são uma delícia, mas sei que é errado comê-los.” Uma entidade de Proteção aos Animais abrirá denúncia formal contra o restaurante, que, por sua vez, pensa em patentear a idéia.

CASAL ENGATA E VAI PARAR NO HOSPITAL (1999 ~)
Casal permanece preso após tentativa mau-sucedida de sexo 

Dia agitado no setor de emergências do Hospital Walfredo Gurgel, onde um casal chegou trazido na mesma maca após terem ficado presos durante o sexo. Os dois, segundo relatos, haviam tentado sexo anal quando o pênis do homem foi pressionado pelo esfíncter da moça, que ganhou dos enfermeitos o apelido de Alicate. Ainda não se sabe como a situação vai terminar. A teoria que mais anima os médicos é a de que jamais sejam desgrudados, o que faria com que eles entrassem nos anais da medicina moderna como o primeiro caso de gêmeos siameses tardios e, ainda mais, de pais diferentes.

Este artigo foi escrito sob a gentil supervisão do Professor Cascudinho, cujos piperotes marcantes na infância lhe renderam a frouxura do juízo.

Sugestões, correções e incrementos? Diga nos comentários e incluo aqui.

Professor Cascudinho

Caros conterrâneos, desse ou de outro buraco: o departamento de história hipotética do bunker tem se dedicado numa obstinada busca pela identidade capenga dos natalenses. Carentes de uma história séria, acabamos fantasiando uma epopéia rasteira; mentiras moldadas à maneira das bocas frouxas, que seguem evoluindo a cada versão que recebem e a cada invento que ganham, as deslavadas. O Diabo da Lambada, o famigerado Ratinho, o Bebê-Demônio do Midway Mall, as Cobras do Motel (e, depois, do parquinho do McDonald’s), as 30 cabeças de gato no restaurante Thin-San, cocaína nas balas Sams; ou passagens dramáticas, como a do casal que se viu em apuros quando num coito por vias incomuns jamais se separou outra vez; esses, e outros desacontecimentos, em breve reunidos aqui para efeito de registro.

Piperotes na testa,
Professor Cascudinho.

Com a devida autorização, e não sem o abraço fraterno, de Márcio N.

conto #98

Como me tornei um planeta

m.n.f. / 2006

Nos últimos milhões de anos não tenho feito muita coisa além de girar. E, além de girar, não existe nada de muito mais interessante para se fazer aqui no espaço. Giro em torno do meu eixo, o que chamam de movimento de rotação. E giro também em movimento de translação, que lembra a tradição indígena de dançar em volta da fogueira para gravar documentários. Mas isso é pouco comparado à louca dança de ser um planeta. No caso de um planeta, a fogueira é uma grande bola de fogo que chamam de Sol – particularmente, prefiro chamá-la de “boneca”, “gata”, ou então, “Grande Bola de Fogo”.

Saber que movimentos você deve realizar quando está em órbita é muito importante. Primeiro, por ser uma questão educacional básica, e, depois, por medidas de precauções que visam sua segurança. Portanto, muita atenção. Ficar a par dos seus movimentos é de suma importância para o caso de você de repente se ver perdido em pleno espaço, que é um lugar grande, realmente grande, do tamanho do próprio universo. Sabe-se do caso de um planeta que, ainda jovem, foi seduzido pela possibilidade de encontrar novas galáxias mais atrativas e acabou se perdendo. Ninguém sabe exatamente onde ele foi parar e a sua história termina aqui, o que é uma pena, ou eu poderia fornecer mais detalhes.

Ficar zanzando no espaço pode ser perigoso para um planeta. Você pode acabar se chocando contra um meteoro, pode dar de frente em outro planeta, ir de encontro à Grande Bola de Fogo ou até mesmo ser tragado por um buraco negro e se perder para sempre no Vácuo Eterno do Mau e da Escuridão, um lugar muito, muito, muito assustador mesmo. Quando criança, todo planeta já ouviu ao menos uma vez a seguinte cantiga de roda, a canção do vácuo:

   Não fique vagando por aí
O buraco negro é quem diz:

        ‘Abro minha boca
mesmo que você corra
e sugo você pelo nariz’

       Não há no espaço um só lugar
Onde o buraco-negro não possa estar
Seja um bom menino, viva de mansinho,
Eras e eras a girar.

A parte do “sugo você pelo nariz” nunca cheguei a entender direito. São muitos os idiomas falados no espaço e a tradução pode ter sido comprometida (sem contar que em algumas civilização intergaláticas as palavras não são faladas, mas transmitidas por telepatia, e-mail ou MSN). O que ocorre é que, na verdade, a letra de Canção do Vácuo pode ser completamente diferente. Na verdade, uma verdade talvez até mais crível, essa canção possivelmente nunca existiu e talvez eu tenha mentido para você. Portanto, anote isto, que é outra regra básica para quando você está sozinho no Espaço: nunca confie em estranhos, nunca fale com estranhos e, o mais importante: nunca seja você mesmo um estranho.

Uma outra coisa importante a saber sobre um planeta é que eles duram muito e, tirando um planeta que girava tão rápido que teve toda sua história lançada em um livro de bolso, eles podem durar o infinito. E o infinito, caros pontos insignificantes, demora um bocado de tempo para passar se você não tem com o que se distrair. Por isso, se existe uma coisa realmente boa em estar perdido no espaço sideral, é o tempo para se pensar em questões primordiais, como: de onde viemos, para onde vamos, por que giramos tanto, etc. Por milhões de anos, uma das mais intrigantes das questões primordiais seria: por que cargas d`água Saturno insiste em usar aqueles anéis tão fora de moda? Dizem as más línguas que Saturno nunca se adaptou muito bem à rotação, e por isso sofreu por muito tempo com problemas de tontura e acabou ficando meio tantã. Uma pena. Outros planetas, ainda mais maldosos, espalham por aí que ele tem sofrido de sérios problemas com excesso de gases, sendo transferido para uma área mais isolada do Sistema Solar.

A minha segunda grande questão foi tentar compreender por qual motivo me tornei um planeta. Não pensem que foi fácil. Para chegar a uma resposta satisfatória refleti por alguns milhões de anos, atravessei eras geológicas, cataclismos, guerras e meus ácaros (pequenas formas de vida que estão em todos os lugares, incluindo você quando não toma banho) se tornaram espécies tão evoluídas que já dominam inclusive outros planetas. E, a resposta fundamental ao real motivo pelo qual me tornei um planeta, é: eu jamais poderia saber. Passei tanto tempo focado na questão que acabei me esquecendo inclusive como eu me tornara um planeta. Por sorte, os meus ácaros conseguiram reproduzir em laboratório todo o meu processo evolutivo, de modo que pude acompanhar de perto minha humilde origem.

Eis como tudo sucedeu.

Antes de virar uma enorme massa disforme em mutação eu fui um humano como qualquer outro. Na linha evolutiva, entre todas as espécies que habitavam o até então conhecido planeta de onde vim, os humanos estavam em um nível intermediário entre as amebas e os chimpanzés, o mais evoluído dos primatas. Cada espécie tinha seu diferencial, alguma coisa que desse um tchans. Os chimpanzés saltavam de árvore em árvore e catavam piolhos uns dos outros enquanto pensavam em quão idiota era o homem e porque eles sempre estavam lhes apontando armas. Os peixes nadavam muito bem e eram coloridos, mas de vez em quando cometiam a burrada de morder alguma isca de plástico pensando que era comida e, coitadinhos, morriam sufocados foram d`água apunhalados por um anzol – esse vacilo os deixava atrás dos chipanzés, mas não dos humanos. Os humanos sabiam no máximo escrever livros e operar máquinas, mas tão mal que às vezes acabavam colocando os pés pelas mãos e matavam uns aos outros. Deste modo, ser o terceiro lugar na linha evolutiva não tão ruim para quem fazia tanta besteira. Em situação pior estavam as amebas, que nem sei bem o que fazem, talvez seus professores de ciência possam explicar isso melhor.

Então, eu levava minha vida humana quando as coisas aconteceram.

Primeiro veio uma guerra envolvendo várias das máquinas que os humanos não sabiam utilizar bem. Depois, para completar, veio a destruição completa e com ela o fim do mundo. Com o mundo completamente destruído ninguém tinha onde ficar, de modo que todas as formas de vida como peixes, chipanzés, amebas e humanos foram lançadas ao infinito do espaço. Todos passaram a vagar sozinhos, flutuando na imensidão, e aos poucos foram se adaptando a uma nova realidade: girando, girando e girando até se tornarem algo completamente diferente das formas de vida que conhecíamos. Transformaram-se em planetas independentes, cada qual em seu lugar, como várias pedrinhas insignificantes arremessadas ao alto sem qualquer habilidade especial – exceto, talvez, girar.

E continuamos girando.

∞ ∞ ∞

As imagens são de uma explosão nuclear, retiradas daqui.

Ferragens _um conto sobre otimismo

Quando entro no carro às vezes penso na possibilidade de não mais sair dele como entrei: com vida, inteiro, ou os dois.

A LONGA E EXAUSTIVA ESTADIA DE M. EM FERRAGENS

m.n.f. / março 2006


FERRAGENS,  09/10/2006

Querida esposa,
uma coisa aconteceu e preciso ficar na Suécia por mais um tempo.

Finalmente comprei o Lada que havia mencionado na última carta. Viajamos por lugares fantásticos e que você provavelmente gostaria muito de conhecer, mas o Lada capotou algumas dezenas vezes em um barranco e se chocou violentamente contra um pinheiro. Eu estava dentro. Tentei saltar do veículo, mas por algum motivo não consegui desatar o cinto de segurança, de modo que o Lada, o pinheiro e eu nos tornamos um só. Vivemos juntos, desde então. A convivência inicial foi um pouco dolorosa, mas agora me considero uma pessoa feliz aqui em Ferragens, um pequeno lugar, pequeno mesmo, em alguma localidade ao Leste da Suécia.

Criei uma rotina e penso em levar uma vida comum aqui por uns tempos. Tenho até uma pequena horta no que sobrou do banco do passageiro, uma horta que batizei de Hortência. Ela é regada com água da chuva e alimentada com os sais deste fértil solo. Já floriram carrapichos e venho desenvolvendo uma nova técnica para o cultivo de capim. Dentro de alguns anos, penso chegar ao protótipo de um combustível à base desta fabulosa plantinha que é o capim. As pesquisas cansam. E quando não me distraio com Hortência, recorro a Tobi, o meu sangue-suga. Creio que ele veio até mim atraído pelo forte cheiro de sangue e logo viramos como unha e carne. Tobi é uma das criaturas mais dóceis e amáveis que já conheci. Aprendi a me distrair e a dar menos importância às pequenas coisas com o meu fiel amigo. Eu costumava acariciar sua cabeça enquanto ele limpava os ferimentos da minha perna com sua língua mas, por algum motivo, a perna infeccionou e os para-médicos precisaram arranca-la. Melhor assim, com uma perna a menos tenho mais espaço aqui. E depois, eu não a estava usando mesmo. Eu gostaria de poder levar Tobi comigo quando voltasse para casa. Ele pode ficar em algum lugar no quintal, você vai gostar dele. Podemos plantar um pinheiro no quintal. Ou então trazer o nosso quintal para a Suécia, se não tiver mais pinheiros no Brasil. A vegetação aqui é diferente e o clima é frio. E apesar dos pesares, gosto daqui. Não é a casa dos meus sonhos, ou nem mesmo a casa dos seus sonhos, mas o pinheiro me traz sombra e os destroços me protegem do frio. Aqui aprendi a ser um homem simples. Vivo entre a natureza e encontrei a qualidade de vida que tanto falam nos comerciais de imóveis. Certamente, a vida perfeita é essa que acontece por acidente. Acordo com o som dos pássaros, e na minha horta em se plantando tudo se dá pois a terra é fértil, e talvez isso tenha a ver com os pássaros e toda a matéria orgânica que eles lançam ao solo como uma chuva de vida. Às vezes a matéria orgânica também cai em minha cabeça. Capins até já começam a nascer nela. A propósito, este é o novo método para o cultivo de capim que eu havia mencionado.

Sobre o Lada e os danos materiais com o acidente, creio que não há com o que se preocupar. Hoje em dia todo bem é tão perecível quanto recuperável, de modo que nada é seu e tão logo ninguém precisa arcar com o que não tem. No caso, o Lada que eu nunca tive, mas que é o meu lada. O rapaz do seguro me explicou essa coisa mas sinceramente não vi muito sentido. O fato é que ele me prometeu, com um ar cheio de entusiasmo, que por eu ter quase perdido a vida, adquirido seqüelas irreversíveis e destruído completamente o meu antigo carro que na verdade tinha um problema no freio, eu ganharia um outro carro como indenização. Eu disse que não preciso de mais um carro se eu não consigo sair do que eu tenho, mas agradeci assim mesmo com uma banana depois de algum tempo de esforço sobre-humano para fazê-la. É assim que as pessoas se cumprimentam na Suécia, com uma banana. O rapaz do seguro foi embora e logo depois já haviam outras pessoas conversando comigo. Como um grupo de hippies que apareceu por aqui outro dia, e que queria expandir a consciência nas imediações de Ferragens. Expliquei que em Ferragens por motivos de racionamento de espaço não era permitido expandir nada, nem mesmo consciência, e os mandei à merda e mais uma vez tive um bom trabalho para improvisar a banana. Outras visitas vieram, mais visitas foram embora. Os suecos são muito atenciosos, realmente. Mas os para-médicos são os únicos que estão por aqui na maior parte do tempo. No começo foi legal, a companhia. Mas agora já sinto falta da antiga privacidade. Outro dia eu queria defecar e precisei fazer isso em público e para alguns milhões de pessoas, que assistiam a uma transmissão ao vivo da imprensa. Desde que me mudei para meu exílio particular em Ferragens me tornei um homem notório e exílio não foi exatamente o que eu encontrei, sobretudo particular. Mas agora está tudo bem. Digo, neste EXATO momento está tudo bem. Os para-médicos saíram para almoçar e a imprensa foi cobrir alguma coisa. Parece que descobriram um escândalo no senado, e eles atrasados foram cobrir. Nunca gostei desse pessoal da imprensa. Mas ainda na primeira semana que me descobriram (e eles cobriram) resolvi vender uma entrevista a eles. Porque para imprensa eu não dou nada, só vendo. Segue abaixo uma transcrição da entrevista, devidamente traduzida ao português, e onde abri mão de maiores descrições e detalhes dos jornalistas para poupá-la, querida, de qualquer dano ao seu córtex arrojado.

— A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA DO HOMEM PRESO NAS FERRAGENS DE UM CARRO CONTINUA! ESTAMOS AQUI COM ELE, QUE VAI NOS CONCEDER UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA DIRETO DO LOCAL DO ACIDENTE! BOM DIA! COMO É ESTAR PRESO ENTRE AS FERRAGENS DE UM CARRO?

— Um pouco chato no início, mas a gente acaba se acostumando.

— MUITA DOR?

— Sim, mas a gente também acaba se acostumando.

— “ACABAR SE ACOSTUMANDO COM A DOR”. QUE LIÇÃO DE VIDA, GENTE! O SENHOR PODE DESCREVER O QUE ESTÁ SENTINDO?

— Bem, na verdade eu estou com um pouco de sono porque não tenho conseguido dormir bem. Está cada vez mais difícil encontrar uma posição confortável com essa enorme barra de ferro atravessando meu abdômen. Tirando isso acho que estou em perfeita ordem.

— IMPRESSIONANTE! O SENHOR QUER MANDAR ALGUMA MENSAGEM PARA SEUS FAMILIARES NO SEU PAÍS? A NOSSA REDE DE TV É TRANSMITIDA PARA TODO O MUNDO!

ferragens06— Não. E se a senhora me permite eu vou dormir. Passar bem.

Depois da entrevista a imprensa não voltou a me dar voz. Melhor assim. Gostaria que os para-médicos não voltassem e me deixassem apenas em companhia de Tobi, Hortência e meu Pinheiro. Mas se eles não voltarem jamais posso saber se estou vivo. E eu preciso ter certeza de que estou vivo realmente. Preciso deles me ressuscitando e me aconselhando a não morrer. Não morra, disse uma voz feminina outro dia. Não morrer é basicamente o que tenho feito há pelo menos 58 anos, mas ainda assim as pessoas precisam dizer isso ou acabo me esquecendo. Ao contrário de todas as outras funções, viver é uma coisa que se desaprende com a prática.

Fiz bons amigos em Ferragens. Hoje fui apresentado a um profissional da igreja. Como jamais fui religioso conversamos sobre assuntos de outras correntes, como a filosofia de Kant, política internacional, astrofísica, ocultismo e futebol, um assunto que ele parecia dominar bem. Ele insistiu que eu me confessasse e eu disse não tenho crimes a confessar. O meu amigo é um homem erudito, mas um grande idiota também. E ser idiota o torna perfeitamente suportável.  Transcorri sobre planos futuros. Mas logo ele disse é melhor não ter essas idéias e enfiando as mãos nas ferragens me deu tapinhas amigáveis nas costas. E assim ele foi embora. Disse que voltava, com um aceno entusiástico. As pessoas sempre vêm cheias de compaixão e vão embora com pressa, se fazendo parecer animadoras.  Depois que me mudei para Ferragens, sem uma perna, com uma barra de ferro perfurando o abdômen e escoriações em todo o corpo, cheguei à conclusão de que sou um homem de sorte. Tudo convergiu para que eu continuasse vivo. Durante o acidente, por exemplo. O carburador estourou justo ao lado do meu rosto queimando minha pele mas me dando este precioso líquido que é a água, a mesma água que me manteve vivo por dias e noites até que algum mal-educado me cutucasse. Ele me acordou com uma vareta, e quando abri os olhos e pedi mais água o intrometido deu um pulo pra trás e correu feito um louco. Depois voltou acompanhado de mais pessoas, e mais pessoas, e tantas pessoas que eu precisei mandar todos ao inferno e implorar por privacidade. Eles pensam que eu sou louco e não param de aparecer de todos os lugares.

Tobi agora há pouco ficou meio quieto e ele só faz isso quando alguém se aproxima.

Devem ser os para-médicos, preciso me despedir… Até logo…

Com amor,
M.

(continua…?)

A foto do carrinho de brinquedo amassado faz parte de um projeto chamado crashbonsai. As demais imagens, dos carros destroçados, são fruto de uma pesquisa rápida e extremamente desagradável no google images.

Dicas úteis para quebrar o relógio _atribulações/escoriações

A vida é cheia de responsabilidades, alguém pode dizer. Mas falar isso é meio sem sentido, porque viver é basicamente tudo aquilo que você faz quando deveria estar sendo responsável – uma coisa, ou outra…

***

Você pode tentar colocar as coisas em ordem com uma agenda de compromissos. Eu tenho um pedaço de papel, que serve para anotar minhas pendências. Sempre que quero me sentir mal eu olho para essa lista de coisas que não fiz. Da mesma forma, quando eu quero me sentir bem, ou útil, tento resolver algum item da lista. Interferir no meu estado de humor foi a única função dela até aqui.

***

Algumas coisas não fazem muito sentido, por exemplo: no escritório eu sigo uma pauta, e essa é uma lista de obrigações dentro do item “trabalho” de uma outra lista, uma lista maior. Sozinho, o item “trabalho” ocupa a maior parte do meu dia. Passo em média 10 horas no escritório e, dormindo, 6. Para todas as outras coisas, sobram apenas 8 horas – e eu preciso me virar bem com elas.

***

O trabalho danifica o homem.

***

Quando eu era criança e ficava de férias os meus dias eram simplesmente lotados. Sem agendas, listas, nem responsabilidades; eram dias inteiros pela frente, um atrás do outro, num ciclo-viciante de irresponsabilidade e descompromisso, e a vida era assim. Agora, uma pergunta: o que acontece hoje para alguém se ver com nada para fazer quando chega o fim-de-semana?

***

Continho com final triste

Era uma vez um homem que perdeu a memória. Ele então viajou, viveu aventuras, encontrou o amor da sua vida; casou, teve filhos, e foi uma pessoa relativamente feliz. Um dia, em algum lugar, ele encontrou sua agenda de compromissos antiga. Recobrou a memória, esquartejou a esposa, queimou os filhos e voltou para o escritório.

~ FIM ~

***

Uma pessoa fabulosamente bem de vida tem muitas responsabilidades. São tantas, mas tantas, que a primeira providência é, então, contratar uma secretária. Ela vai atender o seu telefone, agendar os seus compromissos, administrar o seu tempo. Você vai se sentir livre, porque alguém vai mandar em você. Algumas pessoas são fabulosamente bem de vida.

***

Alguém uma vez me disse que em Buenos Aires as pessoas têm o costume de, no reveillon, rasgar suas agendas de compromissos. Assim, último dia do ano, todos os anos, as ruas são tomadas por folhas soltas de papel, e as pessoas andam contentes entre elas, felizes que estão com a sensação de liberdade e de dever cumprido. Então, no dia seguinte, o primeiro do ano, elas acordam preocupadas, compram agendas novas e começam a escrever seus compromissos novamente.

***

Agora, uma verdade: não se vive o bastante para se dar ao luxo de desperdiçar o tempo. No lugar de uma lista de compromissos, as pessoas deviam fazer uma lista de possibilidades; e nela escreveriam todas as coisas que realmente gostam, para não esquecer. Uma hora podem precisar.

É isso.

Abraço fraterno,
Márcio N.

II Mostra Pornô Independente _Sci-Fi

Ventosas em Fúria, uma das revelações da Mostra.

É com muito prazer e as mãos em carne que incluo aqui somente o crème de la crème da II Mostra Pornô Independente, que reuniu neste respeitoso recinto os melhores filmes da Pornografia Geek.

1. Anais de Saturno

Este filme na verdade não se passa em Saturno, mas em Marte. Ao que parece, a tradução brasileira desprezou totalmente a coerência científica em detrimento de exigências comerciais; e, apesar do título desastroso, é um filme dos melhores: cientistas da NASA descobrem que rochas vulcânicas são estimuladas sexualmente quando observadas por satélites espaciais. O voyeurismo, imagino, é a idéia chave desta estória que retrata a rotina de cientistas habituados ao exercício solitário da masturbação para pedaços de pedra, via esverdeados monitores da agência espacial americana. Numa tentativa de driblar a rigidez da censura e ampliar a classificação indicada, em momento algum do filme há penetração, não configurando o ato sexual clássico. Os bastidores revelam ainda outras curiosidades: para interpretar as rochas vulcânicas foram utilizadas atrizes com problemas de frigidez, e o tempo inteiro elas se comportam como pedras, imóveis e inexpressivas. Razoável, mas meio morno.

2. O Buraco Negro de Samanta

Samanta é uma advogada bem sucedida que descobre ter um buraco negro alojado na vagina. Apesar de não muito bonita, Samanta exerce uma forte atração por onde quer que passe, isso porque a estranha força gravitacional atrai para suas regiões genitais toda e qualquer massa encontrada ao seu redor: homens, mulheres, jovens, velhos, objetos cônicos (quais hidrantes e postes), cavalos etc. Samanta, aflita com a maldição lançada sobre seu senso de decência, parte numa empolgante jornada em busca do único homem que poderia solucionar seu problema: um cientista marroquino cujos dotes lhe serviriam para vedar o buraco negro à maneira das rolhas. Por fim, o marroquino e Samanta copulam animadamente, o planeta é salvo e tudo termina bem.

3. Ventosas em Fúria

Em expedição ao Planeta Clitorium tripulação de astronautas enfrenta sérios problemas ao se deparar com uma civilização de ventosas que se alimentam de sêmen. Como se percebe, este é um filme repleto de ação, com muitos efeitos especiais e cenas de combates espaciais com tiros de jatos a laser. A trama, revelada entre cenas de sexo entre ventosas e humanos (o que provavelmente muito choca as pessoas sensíveis, acometidos pela ejaculação precoce), mostra uma população dividida em três grupos: orais, anais e vaginais – a raça dominante e que vem perdendo sua hegemonia nos novos tempos. Tortuosas batalhas são travadas entre os povos, sugando até a última gota de energia das vítimas, pobres homens aflitos. Após muita peleja, o enredo toma novo rumo, agora mais panfletário, com um tratado de paz estabelecendo o convívio harmônico entre orais, anais e vaginais. O que sucede: Astronautas integram a população de Clitorium, ventosas vivem tempos de bonança e o filme encerra com um inspirado discurso pacifista proferido por uma genitália. Esta é, a meu ver, uma mensagem educativa para as crianças que por ventura venham a assistir ao filme escondidas dos pais.

4. A Mulher Elástica

Como não poderia deixar ser este filme começa com uma incrível seqüência de abertura (e este é um início e tanto) colocando à prova os limites da resistência humana e sobretudo os limites da própria razão: o filme dispensa efeitos especiais mesmo nas cenas em que a mulher elástica explora toda a sua flexibilidade, em momentos de pura tensão. Uma crítica: a utilização de enquadramentos que não dão a menor chance para a imaginação comprometeram a sensualidade do filme, que erra a mão na medida entre pornografia e ciência – esta sim, bastante explorada no campo da anatomia humana. Por sorte, e para alívio dos pagantes da mostra, o filme conta com um bom argumento: um acidente nuclear na cidade de Chenabill confere habilidades especiais a Chuparova, uma camponesa russa de 18 anos de idade, seios convincentes e um intenso furor uterino. Se você ainda não viu, provavelmente não verá jamais: ele tornou-se uma raridade quando a atriz que interpreta Chuparova admitiu ter 70 anos quando as filmagens foram realizadas, o que levou ao recolhimento das cópias.

5. A vida íntima dos robôs

Atendendo aos fetiches mais obscuros dos mais perversos geeks, este filme de mecânica pesada mostra sem qualquer constrangimento as mais explícitas cenas de parafusos sendo inseridos em roscas, placas encaixadas em plots, luzes e leds frenéticos, algoritmos complexos, bips sensuais etc. Na cena de maior apelo, e que produziu um urro conjunto nas gordurosas salas do Bunker, um antigo PC 486 era totalmente formatado ali mesmo, em frente às câmeras. Obrservação: Desaconselhável para pessoas com vida sexual ativa.

6. Time Machine – Travessuras através do tempo

Em um colégio interno japonês estranhos incidentes ocorrem quando é encontrado um misterioso vibrador capaz de fazer as pessoas viajarem no tempo. A meu ver este foi apenas um recurso dos roteiristas para explorar fantasias inéditas ao longo da História; porque as seqüências seguem um padrão: numa hora uma colegial brinca em sua cama e, no instante seguinte, está em um contexto totalmente novo em algum lugar sujo perdido na História. Na idade média, no período colonial, na civilização maia, e, na cena da caverna, temos uma colegial japonesa mandando ver com o primeiro Homo-Erectus. Mais adiante, em um mundo futurista dominado pelas máquinas, temos pistas substanciais sobre a origem do estranho brinquedo.

7. Abduza-me, por favor

De longe, o mais divertido filme da mostra: num sábado à noite, grupo de alienígenas adolescentes decide perder a virgindade no Planeta Terra e logo se tornam uma grande novidade para as garotas. Conhevenhamos: se carros importados impressionam algumas mulheres, espaçonaves com luzes multicoloridas e design arrojado são sucesso garantido – sem contar que, mesmo quando a fêmea não é atraída à espaçonave por livre-vontade, ela pode ser abduzida facilmente ao mínimo toque de um botão. Agora, uma curiosidade do filme, talvez a que mais tenha rendido bons momentos, são os desencontros ocorridos entre as duas espécies durante o sexo. Cuidado, portanto: embora o filme mostre o contrário, ouvidos e narinas não estão aptos para a penetração.

8. Tentáculos & Tentações

Neste clássico do pornô moderno uma bióloga se apaixona por um polvo modificado geneticamente e que se chama Valtenor. Com claras referências a “20.000 Léguas Submarinas” e “Garganta Profunda”, o filme rende cenas de tirar o fôlego nesta comédia romântica para maiores. Efeitos especiais primorosos dão um tom único ao filme, sendo o Polvo interpretado por um molusco de verdade e a mulher feita totalmente por computação gráfica. Alguma cenas do filme você pode conferir aqui, salvo, claro, se você não estiver usando o computador em um cantinho todo seu.

9. O Homem Elefante

Original dos anos 1940, este longa-metragem provocou uma onda de constrangimento nas videolocadoras nos últimos anos. Não foram poucas as pessoas que, ao procurar pelo filme de David Lynch, acabaram por esbarrar com este clássico do Pornô–B. Acontece que o filme de D.L. é um plágio descomunal, diga-se, tão descarado que copia sem o menor pudor os mínimos (perdão pela injustiça do termo) detalhes do original: o filme do surrealista também tratava de uma aberração cuja tromba grotesta se acentuava no rosto, como se por estar alguns metros deslocada ninguém perceberia a semelhança. Sim, o plágio está na cara.

10. O homem invisível, a mulher invisível e o cavalo invisível

No País das Pessoas Invisíveis todos fazem sexo o tempo inteiro e, por mais que neste lugar seja impossível se enxergar qualquer pessoa, o filme tenta mostrar as mais obscenas perversões sexuais praticadas por qualquer homem, mulher ou equino. Sem utilizar qualquer ator ou atriz durante as duas horas de filme, onde tudo o que podemos ver são paisagens desérticas (onde teoricamente pessoas invisíveis estão trepando) ambientadas com o áudio extraído de filmes pornô antigos. Mas o filme dá conta do recado ao cativar a imaginação dos espectadores. Por exemplo: na cena do sexo na cachoeira tudo o que vemos é uma cachoeira, e o áudio de alguém se divertindo; na suruba da universidade tudo o que vemos são carteiras universidade vazias, e o áudio de duzentas pessoas se divertindo; na cena da aberração em um celeiro tudo o que vemos é o celeiro, e o áudio de um filme do Zorro. Para mim, ver este filme foi como assistir a uma daquelas telas um videokê – mas ao invés de uma música fodida, eu ouvia o som de pessoas fodendo.

Abraço fraterno,
e com o devido respeito,
Márcio N.

Confira a I Mostra Pornô Independente, aqui.

As Pérolas do Coveiro _instruções para enterrar defuntos

Uma correspondência de Chico Moreira Guedes acaba de chegar do leste trazendo mais uma de suas traduções. O texto, ainda sem versão oficial em língua portuguesa, e portanto inédito, integra uma coletânea de contos húngaros a ser lançada em meados de 2009 pelo próprio.
† “Leiam sem pressa de chegar ao fim, que é como se deve levar a vida antes de tudo ser aplainado sobre nós.” – O Coveiro.

Abraço fraterno,
Márcio N.

AS PÉROLAS DO COVEIRO
Dudás Attila, 1968

      Conheci um coveiro, disse-me uma vez o senhor Alcachofra, cuja altura era exatamente a mesma que a fundura de uma cova: um metro e oitenta e nove. Pois a lei estabelece que todas as covas devem ter exatamente essa profundidade. O nosso homem (cujo nome não revelarei, pois, por um motivo ancestral inescrutável, não nos é permitido saber o nome daquele que deixará tudo bem aplainado depois de nós) era, em resumo, o melhor coveiro que jamais vi. Destacava-se dos demais, e, santa verdade, não apenas por sua estatura. Em meio aos pranteadores encurvados pela dor, ele parecia positivamente enorme, quase um gigante. Seu trabalho (que não se ensina em lugar nenhum – é preciso nascer com o dom de coveiro), ele executava de maneira verdadeiramente especial, pois sempre media as covas pela sua própria altura. Podemos afirmar tranqüilamente, portanto, que, de certa forma, ele, em realidade, cavou sua própria cova a vida inteira.
      E como amava a terra!
      Sobretudo aquela argilosa e bem escura, pois tinha a santa convicção que foi com essa terra argilosa que o Senhor Deus modelou o primeiro homem-de-lama, e exultava em saber que da mesma matéria formadora do homem, podia fazer o leito para o seu honroso suspiro final. Esta terra negra, repetia sempre, é “divinal, é o que digo, divinal!”, e em meio ao trabalho gostava de provar da terra “divinal”, pois nenhuma outra tinha um gosto tão bom como o dessa pura terra negra. Estava firmemente convencido de que mesmo para além do túmulo era preciso buscar o melhor; ou seja, não é indiferente, em absoluto, o sabor da terra de que nossa boca estará cheia décadas depois da nossa morte. Exatamente por isso apreciava menos os solos pedregosos, pois esses, ele, fazendo uma careta, considerava “imprestáveis” para o paladar humano. O solo arenoso, por sua vez, ele francamente não podia suportar, porque em sua opinião, esse tipo de terra simplesmente “escorria como a vida entre os dedos do homem”, e no final, nosso próprio túmulo podia ruir sobre nós, “como uma espécie de pesado firmamento negro”.

      Bem, mas ele não era o melhor dos coveiros apenas devido ao seu amor pela terra. Mas sim, por causa de suas pérolas! Porque todos os coveiros ganham o pão com o suor do seu corpo; e eu me admirava de como suas gotas de suor escorriam para a terra negra. No caso do nosso comprido coveiro, no entanto, escorriam-lhe pérolas não apenas da fronte, mas também dos olhos. À medida que envelhecia, pranteava continuamente os mortos, embora geralmente não os conhecesse.  Em pé, no seu palco por cima da cova, segurando a pá como um barqueiro taciturno que remasse, o velho coveiro empurrava a terra sobre o caixão, enquanto as lágrimas vertiam silenciosamente dos seus olhos. Primeiro uma única lágrima deslizava pela sua face sulcada, imediatamente dissolvida num sorriso que a inundava; depois daquela, seguiam-se outras, desenhando caminhos caprichosos no rosto empoeirado, então se misturavam com suor e escorriam para o chão, e para a cova, como verdadeiras pérolas; assim suas lágrimas eram também enterradas com os defuntos. Os parentes, por sua vez, aliviavam-se gradualmente da dor, admirados com as trilhas brilhantes das lágrimas na velha face enrugada do altíssimo coveiro.
     Pois fiquem sabendo: as lágrimas do coveiro são o sal da terra, disse o senhor Alcachofra, e uma lágrima solitária partiu-lhe do olho em direção à boca.

[Traduzido por Chico Moreira Guedes]

* † * † * † *

Fotos de Natalia Sahlit. Para ler outra tradução, clique aqui.

Centenário de Machado de Assis + língua portuguesa renovada

Machado de Assis (1839-1908)

Hoje, 29 de setembro de 2008, completam-se 100 anos da morte de Machado de Assis. Em virtude dessa data a Folha de São Paulo preparou um especial sobre ele, aqui.

É também hoje que presidente da República Federativa do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, que provavelmente nunca leu Machado de Assis, assina com sua impressão digital o decreto para a implantação do acordo ortográfico entre os países de língua portuguesa. Mas assina a contragosto: era sua vontade que o idioma oficial do Brasil fosse agora a língua do “P”. 

aprabrapaçopo frapatepernopo,
Máparcipiopo N. (?)

(?) Dialeto falado no meu bairro antigamente, o “P” do gueto. Será que alguém ainda conhece a língua do “P” formal, nas normas clássicas?

Mossoró _a primeira chocadeira de alienígenas do semi-árido

Caros conterráqueos,

habitando este luxuoso orifício incrustado na costa do Atlântico sinto-me agora finalmente integrado com o mundo: eis que Mossoró, cidade-irmã, certamente beneficiada por suas condições adequadas de calor veio a se tornar a primeira chocadeira natural de alienígenas que já se teve notícias. Ou pelo menos foi o que li no Jornal “O Mossoroense” da última quinta-feira, que noticiou o aparecimento de um Ovo de ET na casa de Seu Concriz, poeta e comerciante local. A seguir, um resumo do debate que houve entre diversas autoridades em volta do óvulo. Também estaremos lá, graças a este arrojo da tecnologia que é o seu córtex cerebral.

Abraço fraterno,
Márcio N. 

OVULUM MOSSOROENSIS
(por Nazianovski-Szienov II)

Hoje cedo em Mossoró não se falava de outra coisa senão do estranho incidente naquela fervilhante cidade do semi-árido: um ovo de ET, pesando aproximadamente 100 gramas, apareceu do nada na casa de um distinto comerciante, o Seu Concriz, que naturalmente perdeu o sossego com a multidão de curiosos que tomou conta do seu quintal. A saber, neste exato momento ocorre um animado debate entre os especialistas que se aglomeram em volta do ovo.
Clique para continuar lendo.

Como matar amigos com agendas de celular _vida social

— E então, rapaz, como foi a vida?
— Mais ou menos. 

***

Ontem encontrei minha agenda telefônica velha. Para se ter idéia de como é velha, ela é do tempo em que as pessoas ainda usavam agenda telefônica. Isso era antigamente, antes do celular. Agora as agendas estão no celular, e isso é ótimo, porque toda vez que troco de aparelho eu perco com ele a maioria dos meus contatos; depois, sem que você perceba, a agenda está cheia denovo.

***

Minha agenda telefônica velha está cheia de fantasmas. São nomes de defuntos, aparecendo em ordem alfabética, um após o outro. A maioria não são nomes de pessoas de verdade, porque elas provavelmente nem existem mais, e quando digo que não existem mais é porque geralmente o tempo as transforma em estranhos; é o que acontece.

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Uma vez alguém disse que o mundo era como uma panela com água fervendo. Nessa panela as bolhas de ar são as pessoas, e a trajetória que uma bolha traça, do fundo da panela até o topo, é a história da vida de um indivíduo. São várias bolhas surgindo, se debatendo e estourando, tudo de forma muito confusa. O livro era Quincas Borba ou Brás Cubas, não sei direito, e esse raciocínio hippie ilustra bem como relações sociais são algo absolutamente casual e sem sentido.

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Mas nem tudo é uma merda, e algumas pessoas viram cervejas e cafés eventuais, num esbarrão qualquer. Senti vontade de ligar para algumas pessoas da agenda – pensariam que eu tava doido, ou ficariam assustadas com uma ligação sem motivo aparente [deve ter sido por isso que inventaram os aniversários].

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Acabo de elaborar um plano: quando eu tiver bem velho, e se tiver comido fígado suficiente pra não sofrer de atrofia cerebral na velhice [entenda], vou pegar um telefone e discar alguns números da agenda. As conversas já têm um começo: “E então, rapaz, como foi a vida?”.

É isso aí, pessoal. Esse foi o texto de auto-ajuda da semana.

Abraço fraterno,
Márcio N.

‘Giros, Notas’ _o conto de igor santos, agora na íntegra

Agora sim: o conto completo, com a ajuda de uma ferramenta do wordpress que eu desconhecia.

Pois bem, ‘Giros, Notas’ é a estória de um homem permanece consciente apesar de morto – tudo com um jeitão detetivesto e sobrenatural. Eu gostei do texto, e agora que vocês podem ler inteiro, aproveitem aí.

Abraço fraterno,
Márcio N.

GIROS, NOTAS
(Sobre como Ross Gitano percebeu que estava morto e tentou inutilmente se safar)

Ross Gitano ficou deitado no chão, sem saber o que fazer.

Ele estava morto. Havia pouca dúvida disso, havia um enorme e horrível buraco em seu peito, mas o sangue que antes se esvaia de dentro dele recedeu e agora apenas pingava. Além disso, nenhum outro movimento provinha de seu tórax. Ou de qualquer outra parte sua.
Ele olhou para cima e para os lados e tornou-se claro para ele que qualquer que fosse a aquela parte dele que estava se movendo, não era parte alguma do seu corpo. clique para continuar lendo

Prostit. do Homem de Firme Destino _ilustrado por Daniel Minchoni

O LIXEIRO DO BUNKER, orgulhosamente, apresenta: a magnífica Ilustração de Daniel Minchoni para a saga do ‘Homem de Firme Destino’, na ocasião em que pensávamos em ganhar algum dinheiro fácil com uma marca de energetico.

Pelo que entendi, queriam associar o produto com coisas de literatura. Precisei incluir uma frase com “Flying Horse” no meio do texto, isso aliás fazia parte do acordo. Mas, como era apenas uma idéia do pessoal do marketing, o projeto nunca acabou existindo de verdade.

Agora, a razão pela qual decidi colocar isso aqui: fiquei abosolutamente envaidecido com o desenho, ou mesmo pelo trabalho que deu para redigir o texto a mãos limpas, do próprio punho. Sei que foi tudo pensando no dinheiro, mas tanto faz, gostei do desenho.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Para ler outros capítulos do HdFD, um modesto tratado sobre perseverança e otimismo, clique aqui.

Coisas que não se vêem mais por aí _Jornal do Insólito

↑ Vídeo do “Jornal do Insólito”, um pasquim miserável que circulou em Portugal há uns tantos anos. As matérias, um rol de mentiras absurdas, eram ilustradas por montagens capengas [anteriores ao photoshop] que conferiam maior veracidade a chamadas como:

· “Encontrado metade homem metade crodocilo”
· “Homem que viveu experiência de quase morte encontra Hitler no inferno, que por sinal é gelado”
· “Mulher usa cinzas do marido para implante nos seios”

E por aí seguia.

O Jornal, que era sempre fantasioso, a meu ver era um formato mais atrativo de literatura fantástica [ao que parece, algo muito popular em Portugal pela quantidade de blogs tratando do assunto por lá].

Esse “Jornal do Insólito” [Há quem diga que era “Jornal do Incrível”] me fez lembrar a “Revista Incrível”, da Manchete Editora, publicada no Brasil no início dos anos 90 sem que durasse muito. Tenho algumas em casa, era assinante e… taí… vou ver se coloco umas coisas dela aqui, depois.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Não encontrei muito a respeito na internet, de modo que o artigo acima não é confiável… vou pesquisar direito.

Quantos escritores são necessários para trocar uma lâmpada? _anedota

Foram anos de pesquisa debruçado sobre as obras dos maiores nomes da literatura ocidental [eventualmente manchando alguns livros com baba nas horas em que cochilava de tédio], para que Daniel Liberalino, correspondente do Bunker, desenvolvesse a seguinte piada:

PERGUNTA: Quantos escritores são necessesários para trocar uma lâmpada?

RESPOSTA: Três – Umberto Eco e Dostoievski. → [1berto eco e 2doiesvski… sacou?]
 
Como estabelecido, levamos para um passeio em nossas orgias nucleares no Irã a pessoa que desvendasse a charada [nos comentários]. Parabéns, Fialho.
 
Abraço fraterno,
Márcio N.
 

Carlos Fialho, ganhador da promoção, posa para foto em uma base militar iraniana instantes antes de conhecer as orgias nucleares. A exposição excessiva à radiação provocou-lhe sérios efeitos colaterais, como fadiga e esfolação genital.

 

Ernest Hemingway _122 assassinatos nas costas [pelo que deu para contar]

LEIA OU ATIRAMOS EM VOCÊ >> Neste artigo: caçada de humanos; cinema clássico; crimes de guerra de Ernest Hemingway (1899 – 1961); e dos perigos do cultivo de ídolos.

Fay Wray em cena de "The Most Dangerous Game" - mais tarde, o cenário seria usado em King Kong, dos mesmos diretores.

A caçada de humanos era um esporte muito popular para o Conde Zaroff, que em sua ilhota saía armado na procura por vítimas de naufrágios, no filme The Most Dangerous Game, de 1932. Foi talvez influenciado por esse roteiro, que Ernest Hemingway escreveu na revista Esquire, em 1936, um artigo com a seguinte frase: “Certamente nenhuma caça se pode comparar à caça ao homem, e quem caçou homens armado, por um longo período de tempo e com prazer, nunca mais se interessou por outra coisa depois dessa experiência“. Talvez não mentisse e quanto a isso, fazendo de sua afirmação um plot virtual de sua vida progressa em que executou dezenas de prisioneiros [122, pelo que contabilizou] durante a II Guerra. Mas existe uma diferença básica entre o Conde Zaroff e Ernest Heminway: enquanto o Conde, embora fortemente armado, ainda oferecia às suas vítimas arco e flecha para a defesa, o escritor e jornalista americano só lhes oferecia mesmo as balas na carne. Se ainda estivessem vivas, serviriam de prova da sua covardia as 122 pessoas assassinadas por ele à altura da Invasão da Normandia, na II Guerra Mundial, quando era Hemingway um jornalista integrante do exército americano na retomada de Paris pelas forças aliadas.

A revelação veio ao mundo por volta de 2006, a partir de cartas encontradas pelo jornalista alemão da Focus, Rainer Schmitz, quando realizava uma pesquisa sobre curiosidades, anedotas e histórias pouco conhecidas de escritores famosos. Foram encontradas 2 cartas, certamente comprometedoras, onde revelava o escritor os detalhes sobre suas atrocidades cometidas na guerra. Em uma delas, datada em 1950, foi enviada a Arthur Mizener, amigo e professor de literatura da universidade de Columbia, há a descrição de Ernest Hemingway sobre como alvejou por trás um “jovem soldado alemão que tentava fugir numa bicicleta e que devia ter a idade do meu filho Patrick”.

Ernest Hemingway posa ao lado de animal abatido. Seu esporte preferido era a caça.

Sabe-se que Hemingway sempre foi cuidadoso em cultivar uma imagem de homem bruto, rude e macho. Como, quando em uma das cartas, ele se gaba por executar um Kraut [chucrute], soldado alemão prisioneiro que haveria desafiado o seu poder citando a Convenção de Genebra: “Você não vai me matar, porque tem medo e pertence a uma raça de degenerados”, teria dito o alemão; Hemingway descreve como foi sua reação – “Você está errado, disse, e atirei três vezes, primeiro no estômago e depois na cabeça, fazendo cuspir seus miolos pela boca”. Além de executar prisioneiros, Hemingway poderia ter sido incriminado pelo simples fato de armazenar armas e granadas no seu quarto de hotel parisiense.

Na carta datada em 27 de agosto de 1947 ao seu editor Charles Scribner (1890-1952), o nosso amigo Ernesto do Rifle [como passou a ser conhecido em Cuba, onde morreu na ocasião de um suicídio com um tiro em 2 de julho de 1961] conta também como se sentia excitado pelos crimes: “sim, tive prazer em matar”. Prazer não, vício. Porque na carta de 1950 ele vai além: “Fiz alguns cálculos e posso afirmar com exatidão que matei 122 alemães”.

Antes da II Guerra, Ernest Hemingway adquiriu experiência em conflitos cobrindo, em Madrid, a Guerra Civil Espanhola. No fim da vida, teria em seu exílio voluntário em Cuba se prostituído à CIA por 500 dólares ao mês vendendo informações ao Governo Americano. O caso dos assassinatos é a mais recente descoberta sobre ele.

Essa não foi a primeira vez que um vencedor do prêmio Nobel de literatura teve sua imagem manchada por falhas cometidas em sua vida pessoal. Recentemente, na autobiografia “Descascando a Cebola”, Günter Grass revela ter feito parte da Juventude Hitlerista e integrado a tropa de elite da Waffen-SS, embora insista jamais ter dado um disparo sequer.

Agora, um minuto para uma mensagem pessoal.

Concurso de sósias de Ernest Hemingway, nos EUA

Deve-se anular qualquer possibilidade de ídolos, seja quem for, porque além de uma idiotice impessoal é também um negócio arriscado. Os rostos que estampam a maioria das camisetas não pertencem a canalhas menores que os anônimos que se encontra em qualquer penitenciária. John Lennon deserdou um filho e acumulou capital enquanto falava em um mundo sem possessões; Ernesto Che Guevara [Clichê Guevara] executou pessoas com a mesma indiferença com que coçava a perna; o maior difusor da maconha, Bob Marley, é suspeito de assassinatos e de envolvimento com o narcotráfico, e por aí vai, sempre descendo, até chegarmos a Ernesto do Rifle. Neste caso, seria prudente distinguir onde termina o escritor e onde começa o homem. O escritor poderia ter assumido sua culpa e de alguma forma se redimido, pois inteligência e sensibilidade não lhe faltavam. Mas o homem, esse não – optou por explodir os miolos, que é mais simples, e mais humano.

Veja, acima, a primeira parte da animação inspirada em “O Velho e o Mar”, de Hemingway.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Leia sobre o tema no Estado de São Paulo. Além desse link não se pode encontrar muito em outros jornais do Brasil. O assunto ainda hoje soa como boato, já que pouca importância foi dada à revelação na imprensa brasileira – reconhecidamente, uma das piores do mundo.

Fernando Pessoa _quem vence perde + piada sobre aparição de Nossa Senhora de Fátima

A ilustração abaixo veio do livro Obra em Prosa, Editora Nova Aguillar, 1986.

Segue um texto extraído d’O Livrão. Ipsis litteris, adiante:

ESTÉTICA DA ABDICAÇÃO

[dat. 1913?]

CONFORMAR-SE é submeter-se e vencer é conformar-se, ser vencido. Por isso toda a vitória é uma grosseria. Os vencedores perdem sempre todas as qualidade de desalento com o presente que os levaram à luta que lhes deu a vitória. Ficam satisfeitos, e satisfeito só pode estar aquele que se conforma, que não tem a mentalidade do vencedor. Vence só quem nunca consegue. Só é forte quem desanima sempre. O melhor e o mais púrpura é abdicar. O império supremo é o do Imperador que abdica de toda a vida normal, dos outros homens, em quem o cuidado da supremacia não pesa como um fardo de jóias.

[Fernando Pessoa, em “O Eu Profundo”]

Vou tentar colocar mais outros trechos aqui, futuramente. São muitas as imagens para escanear [capas originais, ilustrações e de heterônimos, esboços etc.], e, quase 800 páginas de textos.

 ‹‹ Este aqui, ao lado, é o livro.

Há edições mais recentes, pois editoras se motivaram com a liberação da obra de Fernando Pessoa, que agora é Domínio Público [leia]. Quando os direitos eram mantidos, dificilmente se encontrava, a Máfia do Scanner.

Um outro ponto curioso sobre Fernando Pessoa é, certamente, a descoberta de um texto inédito onde faz uma sátira à Aparição de Nossa Senhora de Fátima, apresentado em julho deste ano por um historiador português. O texto começa assim:

“Fátima é o nome de uma taberna de Lisboa onde às vezes… eu bebia aguardente. Um momento… Não é nada d’isso… Fui levado pela emoção mais que pelo pensamento e é com o pensamento que desejo escrever”.

E por aí vai.

Para ler um artigo mais sério sobre o texto encontrado, clique aqui.

Abraço fraterno,
Márcio N.

† MdS

Como se locomover de um bar a outro em tempos de Lei Seca (beber, bater e atropelar)

O Bunker resoveu investigar a fundo a Lei Federal que vem prejudicando donos de bar e de agências funerárias, e testamos os métodos mais populares para driblar a restrição de álcool no trânsito. Aqui estão alguns deles, ou pelo menos os que conseguimos lembrar.

Política do suborno

“Se a lei é seca, a mão do guarda é molhada.” Já diziam os saudosos amigos Aleatório e Anônimo, que conheci na ocasião da primeira vez em que fui atropelado. São eles, certamente, uma ameaça seriíssima nas ruas (eventualmente calçadas), e se os seus processos fossem empilhados em um dia de pouco vento alcançariam facilmente a lua. Somente duas coisas habitam a manga da camisa de seda de Aleatório: manchas de batom barato e suborno. Se numa blitz pedirem para que faça o teste do quatro, Aleatório diz que esse é pra amador e esnoba fazendo o teste do quarenta mirréis. O outro amigo, Anônimo, não enfrenta tantas implicações legais mais sérias, uma vez que seu nome verdadeiro ainda não foi desvendado, invalidando, assim, qualquer retaliação judicial maior. Eis que procurei avaliar o método do suborno (não mais chamado de ajuda da cervejinha: agora é do cafezinho, que é pra dar exemplo), e com 10 reais no bolso e uma garrafa de Pitú a tira-colo voei no meu Celta 1.0 pela Avenida Roberto Freire. Passei por uma blitz sem qualquer problema maior, atropelando fatalmente dois policiais de plantão e mais tarde utilizando os 10 reais num lava-jato para tirar manchas de sangue do capô.

Animais orientais exóticos como meio de transporte

Um método bastante eficaz seria substituir o seu veículo convencional por um outro de tração animal, ou somente pelo próprio animal, como é o caso do Método Camelo de Embriaguez Responsável. Para aqueles que procuram uma opção mais em conta, o Dromedário é um modelo que, embora menos anatômico e de menor capacidade, pode também quebrar um senhor galho. Pois bem. Uma vez em posse do seu animal, invista no design do conjunto: vista um turbante de boa seda, tenha um livro de Mallanâga Vâtsyâyana e carregue uma espada árabe bem lustrada. Se você é homem, a indumentária é algo que pode realmente impressionar as mulheres. Provo. Um teste rápido pela orla da praia de Ponta Negra foi o suficiente para que eu montasse meu próprio harém, com todas as escravas empilhadas nas costas do animal e também nas minhas. O harém quase me leva a ruína, já que cada uma das esposas custava R$ 99,90 a hora. Se você é mulher, é aconselhável substituir a indumentária anterior por uma simples túnica no rosto, o que pode ajudar nos casos onde a beleza é exígua.

Consumo de leite
 
Uma vez li numa camiseta a seguinte frase: “Nunca fiz amigos bebendo leite”. Mentira, e deslavada. Pois substituindo bebida alcoólica tradicional pelo mais puro leite, facilmente fiz algumas amizades. Foi quando adentrei chutando a porta de um bar, esmurrei o balcão e disse: “Desce um copo de leite, major, desnatado!”. Feito isso, logo apareceram os novos amigos, todos eles muito paramentados, com gel no cabelo e lantejoulas coloridas na roupa. Eram na verdade tão gentis que eu precisei fugir do bar às pressas, constrangido que estava e temendo ser ordenhado lá mesmo. Na volta para casa o meu Celta 1.0 derrubou um poste e, com exceção de uma velhinha, ninguém se feriu gravemente. Ponto positivo: O leite fortalece os ossos em colisões. (Leiteja apóia esta idéia)
 
Coma Alcoólico
 
Método que requer disciplina e pouco amor próprio. De posse da carteirinha do seu plano de saúde e em jejum, comece o processo. Primeiro invista nas bebidas fermentadas, e depois vá saltando violentamente para os destilados. Cachaça, vodka, uísque, absinto, gasolina. Subindo o teor alcoólico a cada novo pedido, e atenção: procure manter um ritmo. É também importante que você conheça o seu limite, e ultrapasse. Certifique-se de que não consegue se locomover com as próprias pernas. Recorra ao dedo indicador para pedir mais uma dose, e permaneça na mesa até que a vista se apague. Sua consciência será encoberta por um manto negro cheirando a piúba de cigarro e fluídos internos, e então, se iluminará magistralmente à sua frente uma enfermaria de posto de saúde. A partir daqui, concentre-se em se manter vivo.

Namorados que não bebem (para mulheres)
 
A lei seca no trânsito é um catalisador para o amor. Piriguetes de todo o país finalmente decidiram dar mole ao cara que senta na carteira da frente na faculdade, ao rapaz introspectivo do escritório, ao coroinha da igreja, sim: a exemplares de macho que não bebem. Disfarcei-me de namorado sóbrio por uma noite e, de posse de R$ 99,90, logo consegui uma namorada de 16 anos na praia de Ponta Negra. Fomos ao seu bar preferido, que mais parecia uma festa de fim de ano da ONU, onde pessoas de todas as etnias bebiam, dançavam e trepavam calorosamente. Enquanto minha namorada se bebericava doses de campari, e antes mesmo que nosso namoro terminasse com o contrato de 1 hora, adormeci como um bebê. Alguém me acordou vomitando em minhas costas, e então descobri que a minha namorada de 16 anos havia saído com um novo namorado espanhol que tinha conhecido no bar. Temo pela sua segurança, pois o homem foi visto carregando uma caipirinha. Que ela seja feliz, ora.

Namoradas que não bebem (para homens)

Miakóva, em sua terra natal, nas comemorações dos 76 anos de Boris Yeltsin.

Decepcionado com as mulheres brasileiras trarei de comprar uma esposa russa pela internet. Seu perfil: 1,74m de altura, 62kg, 90cm de busto e 60cm de quadril, de nome Miakóva e à procura alguém legal. Iniciei o download e, em um mês, ela estava nos meus braços. Neste tempo improvisei uma cerimônia de casamento simples em um motel próximo para que nos conhecêssemos melhor. Ensinei à minha esposa russa os segredos da minha língua, assim como os segredos dos meus dedos e dos meus órgãos genitais. Decidimos estender a lua-de-mel em um bar, e antes me assegurei que estabelecimento jamais oferecesse vodka à Miakóva, a única bebida que conhecia. E a noite foi ótima. Mostrei os ornamentos das minhas bebidas tropicais, o que muito impressionou minha esposa. Contei sobre as maravilhas do Brasil, o que muito impressionou minha esposa. Apresentei-lhe a um amigo da faculdade, o que muito impressionou minha esposa.

Beber e dirigir não bebendo

Haviam mencionado o método em um programa de televisão evangélico, o que muito me animou, sobretudo porque eles cantavam músicas alegres que mudaram meu astral para melhor. Decidi ir a um bar para não beber, e lá permaneci completamente imóvel até que o garçom me expulsasse. Segui para outro bar e, devidamente maceteado, pedi um copo d’água com bastante gelo e lá permaneci, a beber o meu Water On The Rocks, a fitar o horizonte e a cantarolar baixinho a música do programa evangélico. O gelo derreteu e meu drink virou Water on Water, uma versão mais tropical do anterior. Fui ao banheiro algumas vezes, bebi mais alguns copos d’água, saquei um rifle semi-automático e metralhei as pessoas das outras mesas.

Mi casa, su farra

Para beber em casa você precisa apenas de um motivo, uma geladeira e um amigo gay que é DJ. Preparamos a festa no Bunker, e cada vez mais pessoas chegavam carregando suas cervejas. Uma coisa interessante de fazer festas em casa é que seus convidados realmente se sentem em casa, e por isso fazem o que não fariam se bebessem fora. Como por exemplo vomitar no seu sofá, pendurar-se no lustre, transformar a mesa em um palco de stand-up show e incitar o sexo grupal em conversas inofensivas. Mas o melhor de beber em casa é que você não pega na direção depois. Seus amigos podem até pegar o carro na volta e se arrebentar feio. Mas você não.

Márcio N.
Direto do Bunker