cinebunker

Desde o último holocausto nuclear, não há nada lá fora nem mais para nos assombrar; as praias estão tomadas por minas terrestres e a corridinha matinal virou o patinho de aço de um parque de diversões de snipers. Um tédio. A distração mais segura, portanto, nos chega por uma brechinha aberta no bunker por onde um temerário visitante nos entrega um rolo filmes contrabandeado. São vídeos de casamentos, imagens de câmeras de segurança de supermercado, pessoas estáticas acreditando estarem posando para uma foto quando estavam sendo gravas, além de cinema profissional para a nossa distração. Além do que me chega trazido pelo misterioso rolo, há sempre as fugas ao Cine Cultura Liberty Mall, uma tranquila caverna frequentada por velhinhas simpáticas pelas quais tenho muito apreço. São educadas e silenciosas, sobretudo quando partem dessa pra melhor no meio da sessão.

Melhores filmes do bunker em 2019 (ou não) e outras indicações pessoais

screenshot2019-01-31at15.pngDor e Glória ♥♥♥♥♥ Pedro Almodóvar / Espanha, 2019
As pessoas são boas, mesmo quando a vida não é boa com elas.
O filme começa no interior da Paraíba, com Penélope Cruz lavando roupa com outras camponesas na beira de um rio; para deleite do filho pequeno, a recordar a cena já adulto, Antonio Banderas, meditando submerso numa piscina. Banderas é Salvador Mallo, um diretor de cinema resolvendo conflitos na virada para o terceiro ato do roteiro de sua vida. Um detalhe interessante é que todas as personagens são pessoas boas, numa trama sem antagonistas, em que o conflito está nas relações calcificadas pelo tempo. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall

NO CORAÇÃO DO MUNDO ♥♥♥♥ Gabriel Martins e Maurílio Martins / Brasil, 2019
Observador invisível no município de Contagem.
Estamos na periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Toca Mc Papo (“aqui é Texas”), as pessoas vivem e morrem – geralmente a balas, enquanto evangélicos cantam em seus quintais. A direção é sutil, os personagens convincentes e nos sentimos como observadores invisíveis, o que só é possível num grande filme. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall

O BAR LUVA DOURADA ♥♥♥♥ Fatih Akin / Alemanha, 2019
Não muito agradável de ver
Fritz Honka é um homem fracassado com o rosto deformado. Ele persegue mulheres mais velhas e solitárias que conhece no The Golden Glove, seu bar favorito, e as esquarteja em seu apartamento imundo. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall

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O Bar Luva Dourada

ONCE UPON A TIME… IN HOLLYWOOD ♥♥♥♥♥ Quentin Tarantino / EUA, 2019
Compro máquina do tempo.
Saí do cinema com o desejo vender tudo o que tinha, comprar uma máquina do tempo e me mudar para a Los Angeles dos anos 1960; o plano não funcionou muito bem e tudo o que pude fazer foi voltar ao Liberty Mall, pagar novamente pelo ingresso e ver uma segunda sessão. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall

THE HOUSE THAT JACK BUILT ♥♥♥♥♥ Lars Von Trier / EUA, 2018
Um filme de lars von trier sobre um serial killer só pode ser pesado
A sala do cinema em que vi o filme esvaziou durante a sessão; o mesmo aconteceu quando o filme foi exibido em cannes; o excesso de violência incomoda e a audiência em geral sente-se torturada pelo diretor, a quem consideram sadista; de minha parte, achei coisa fina. Onde vi: Cinemark, Natal

 

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A Casa Que jack Construiu

BACURAU ♥♥♥♥ Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho / Brasil, 2019
Cale a boca no cinema.
Se fala alto no cinema, deixe-me dizer uma coisa: você é um idiota. Fique em casa, poupe seu dinheiro, veja qualquer coisa no Netflix, mas não estrague a experiência dos outros. Em Bacurau, sentei três cadeiras ao lado de um falante. Depois de um “shhhh”, a custo de muita coragem, troquei de cadeira e, aí sim, pude prestar atenção ao filme. Bacurau é um filme político e, se é ou não caricato, como andam dizendo, impossível dizer; o filme se passa num futuro tão absurdo quanto é o presente caso o imaginássemos alguns anos atrás. Algumas sacadas são boas: Um jornal chamado “Brasil do Sul”, “Execuções a céu aberto no Aguangabaú”; há um herói local que ganhou fama no youtube pelos seus homicídios na cidade grande, captados por câmeras de vigilância, que lembrou o sniper iraquiano Buba que perseguia soldados americanos em meados da década de 2000; etc etc etc. O filme tem mais qualidades que defeitos, mesmo assim, nenhum tão grave quanto o cara que falava alto na cadeira ao lado.
Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall

Crítica-Midsommar-Ari-Aster-3

Midsommar ♥♥♥♥♥ Ari Aster / EUA, Hungria, Suécia, 2019
Sacrifícios humanos podem ser lindos de morrer.
Além do ocultismo, ninfas suecas e plasticidade do filme, o filme conseguiu transportar com muita competência as distorções visuais uma viagem de cogumelo em sua fotografia. O filmão é da a24films.com, a pixar do cinema com câmera.

GRANS (Border) ♥♥♥♥♥ Ali Abbasi / Suécia, Dinamarca, 2019
Raios.
Uma adaptação do ensaio de John Ajvide Lindqvist, escritor sueco de terror, o mesmo de “Deixa Ela Entrar”. Ganhou un certain regard do Festival de Cannes. Sim, há raios, e uma cena brilhante de um pedófilo sendo capturado pelo faro de uma fiscal. Onde vi: em casa.

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Grans (border)

MAUS MOMENTOS NO HOTEL ROYALE ♥♥♥ Drew Goddard / EUA, 2018
A Ilha de Lost num hotel de beira de estrada americano nos anos sessenta.
Como é bom ver um filme esperto, sem se levar a sério demais. O roteiro segue a lógica de Lost, apresentando o backstory das personagens na medida que a trama se intrinca. Foi feito originalmente para Tv, o que é triste, porque tem o nível de uma grande série, mas não o de um grande filme que merecia ser. Onde vi: em casa, Telecine.

UTOYA ♥♥♥♥♥ Erick Poppe / Noruega, 2018
22 DE JULHO ♥♥♥♥♥ Paul Greengras / Noruega, Islândia, EUA, 2018
Dois filmes, um mesmo tema: o massacre de 2011 na Noruega.
Um filme faz uma anatomia do ódio, enquanto outro filme põe a plateia no meio dos 72 minutos de terror.O diretor norueguês Erik Poppe faz um sensacional (e terrível) plano-sequência em tempo real para mergulhar a plateia no terror das crianças e adolescentes que tentavam fugir aos disparos sem saber de onde eles vinham. Em 22 de Julho, da Netflix, o inglês Paul Greengrass (da série Bourne e de Voo United 93) abre o foco para recriar todas as facetas dessa história – e mostrar como a Noruega colocou Breivik no seu devido lugar com o apoio às vítimas, um julgamento impecável e o exercício justamente dos princípios que o terrorista desejava destruir.” Onde vi: em casa, Telecine + Netflix – Leia a resenha completa da Isabela Boscov.

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Sorry to bother you

SORRY TO BOTHER YOU ♥♥♥♥♥ Boots Riley / EUA, 2018
Se Clube da Luta fosse um filme sobre o mercado de trabalho.
Uma ficção científica sombria de humor negro, em que um atendente de telemarketing encontra a chave para o sucesso profissional e mergulha num universo macabro. É um roteiro original, detalhista e com esquisitices maravilhosas. Poderia muito bem ser um livro de Chuck Palahniuk. Onde vi: em casa.

GOOD TIME ♥♥♥♥ Benny Safdie, Josh Safdie / EUA, 2017
O primo frenético de Drive.
Se você gostou de Drive, também vai gostar de Good Time. A fotografia onírica está presente em todo o filme; a tensão é crescente, há interpretações brilhantes e uma história hilária envolvendo um porre de LSD. Onde vi: em casa

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Sorry to bother you

Alguns filmes são esquecíveis, e valem no caso de não ter nada de melhor para fazer, como jogar baralho ou, se você for um cão, perseguir pombos. É o caso de Yesterday. Divertido, até certo ponto.

Abraço fraterno,
Márcio N.

e-mail

Para: Fernando Pepe
C/CCO, De: Márcio N.
Assunto: JW — MENSAGEM BÍBLICA
29/07/2019

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Olá, desconhecido amigo.

Obrigado por me incluir na sua lista de contatos, mas gostaria de pedir-lhe que não mais me enviasse mensagens bíblicas.

Seja lá quem tenha lhe convencido a ser uma pessoa religiosa, isso certamente só faz mal a você e a outros a sua volta. As razões são amplamente conhecidas, mas não custa lembrar de toda violência, discriminação, fanatismo, ladronagem, atraso e outros probleminhas perpetrados pelo seu sistema de crenças infundado.

Você pode consultar o livro “Deus, um delírio”, de Richard Dawkins, sobre algumas boas razões para não disparar mensagens fundamentalistas a ninguém, sobretudo desconhecidos.

De minha parte, espero que consiga sair dessa e encontre a luz da razão sem a qual você ainda estaria miseravelmente tentando disparar seus spams religiosos a partir de uma fogueira numa caverna. Falo isso digitando de um aparelhinho luminoso deitado numa banheira. Não é maravilhoso?

Cordialmente,
M.

palíndromo

Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos

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Do dia 9.9.19 ao dia 9.19.19 no calendário estrangeiro (mas não no do Brasil, onde o mês aparece no meio) as datas são um palíndromo; podendo tanto ser lidas tanto da esquerda para a direita, ou mesmo de ré, sem que isso altere seu sentido. Para viver a magia dessa época, você pode ajustar o calendário no seu celular, no seu computador, mas não faça isso no seu compasso cardíaco. E, como estamos na Semana do Palíndromo, um evento que jamais será repetido em nossas vidas, eu gostaria de compartilhar o que (até onde se sabe) é o maior palíndromo já escrito; acerca de um tal homem num canal no Panamá, e que, ao longo do tempo, desde o ano de 1983, quando nasceu na mente de um sujeitinho persistente chamado Jim Saxe, vem contando com valorosas contribuições. Deixo-os aqui, portanto, com meu ctrl+v:

“A man, a plan, a caret, a ban, a myriad, a sum, a lac, a liar, a hoop, a pint, a catalpa, a gas, an oil, a bird, a yell, a vat, a caw, a pax, a wag, a tax, a nay, a ram, a cap, a yam, a gay, a tsar, a wall, a car, a luger, a ward, a bin, a woman, a vassal, a wolf, a tuna, a nit, a pall, a fret, a watt, a bay, a daub, a tan, a cab, a datum, a gall, a hat, a fag, a zap, a say, a jaw, a lay, a wet, a gallop, a tug, a trot, a trap, a tram, a torr, a caper, a top, a tonk, a toll, a ball, a fair, a sax, a minim, a tenor, a bass, a passer, a capital, a rut, an amen, a ted, a cabal, a tang, a sun, an ass, a maw, a sag, a jam, a dam, a sub, a salt, an axon, a sail, an ad, a wadi, a radian, a room, a rood, a rip, a tad, a pariah, a revel, a reel, a reed, a pool, a plug, a pin, a peek, a parabola, a dog, a pat, a cud, a nu, a fan, a pal, a rum, a nod, an eta, a lag, an eel, a batik, a mug, a mot, a nap, a maxim, a mood, a leek, a grub, a gob, a gel, a drab, a citadel, a total, a cedar, a tap, a gag, a rat, a manor, a bar, a gal, a cola, a pap, a yaw, a tab, a raj, a gab, a nag, a pagan, a bag, a jar, a bat, a way, a papa, a local, a gar, a baron, a mat, a rag, a gap, a tar, a decal, a tot, a led, a tic, a bard, a leg, a bog, a burg, a keel, a doom, a mix, a map, an atom, a gum, a kit, a baleen, a gala, a ten, a don, a mural, a pan, a faun, a ducat, a pagoda, a lob, a rap, a keep, a nip, a gulp, a loop, a deer, a leer, a lever, a hair, a pad, a tapir, a door, a moor, an aid, a raid, a wad, an alias, an ox, an atlas, a bus, a madam, a jag, a saw, a mass, an anus, a gnat, a lab, a cadet, an em, a natural, a tip, a caress, a pass, a baronet, a minimax, a sari, a fall, a ballot, a knot, a pot, a rep, a carrot, a mart, a part, a tort, a gut, a poll, a gateway, a law, a jay, a sap, a zag, a fat, a hall, a gamut, a dab, a can, a tabu, a day, a batt, a waterfall, a patina, a nut, a flow, a lass, a van, a mow, a nib, a draw, a regular, a call, a war, a stay, a gam, a yap, a cam, a ray, an ax, a tag, a wax, a paw, a cat, a valley, a drib, a lion, a saga, a plat, a catnip, a pooh, a rail, a calamus, a dairyman, a bater, a canal — Panama!”

É realmente formidável. Caso queira saber mais sobre o Palíndromo do Panamá, aventure-se com Nielsen Hayden; bem como, assombre-se neste curta-muito-louco clicando na figurinha:

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A cara rajada da Jararaca,
Márcio N.

robert sheckley

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Robert Sheckley nasceu em 1928, um anagrama de 1982, o ano em que nasci. Nos anos 2000, bug do milênio, Sheckley tinha 72  quando eu li aos 18 um conto seu na coletânea “Weird Tales”. 5 anos depois morreria Sheckey, aos 77. Adquiri, em 2017, uma edição de “Inalterado por mãos humanas”, escrito na década de 1960, quando Sheckley tinha minha idade hoje, 36, e leio um livro seu, finalmente, em 2018. Sheckley escrevia sobre viagens no tempo.

brasil _por spike jonze

Sugestão de videoclipe

Não adianta insistir: os direitos do vídeo não estão à venda. Como também não foram registrados, podem ser roubados legalmente.

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pré-produção

Pode ser uma música de horror, tipo Zezé di Camargo e Luciano.

Poderá contar, ainda, com a participação de atores famosos e, portanto, cogitamos convidar o Menino Ney, mas a ideia mostrou-se frágil: não se segurou de pé e acabou caindo sozinha. O ator acabou sendo substituído pelo Cigano Igor, o que mais tarde nos decepcionaria um pouco; não pelo fato dele não ser um ator de verdade, mas por não ser ele um cigano de verdade – isso sim, foi um golpe difícil de engolir.

Os efeitos especiais, como o da kafta da capa, ficariam por conta do mago da computação gráfica Hans Donner. Mas, por razões de alinhamento, optamos por manter a Globo de fora disso; a arte final vista acima, portanto, foi feita desenvolvida pela equipe do programa dominical “Na Cama com Deus”, o novo pornô bíblico da Record. A versão origial trazia, no lugar da kafta, um varão na flor da idade e no entanto já brocha. Muito abatidos pela triste imagem, fomos informados de que pornô bíblico as ereções são terminantemente proibidas. A kafta, portanto, assumiu assim uma forma mais óbvia.

casting
Deixemos de perder tempo com coadjuvantes para focar nossa desatenção nas personagens principais. O clipe é estrelado por uma bolsofamily de verdade, caracterizada à moda raiz com sua camiseta dry fit de atletas de futebol. Aliás, está tudo lá: seu olhar perdido, a vozinha irritante, o pensamento confuso, as selfies de óculos de sol e sua propensão natural ao ridículo.

O espectador, vendo-os ali tão à vontade, nem mesmo desconfia que a bolsofamily não era a nossa primeira opção. Trata-se, infelizmente, da família de número dois, escolhida aleatoriamente no estacionamento de um shopping center, quando nosso produtor atacou-lhes com um porrete e trouxe-os em seu furgão. Já no estúdio, e depois de acordá-los com um balde d’água, explicamos que foram selecionados para trabalhar voluntariamente no combate aos comunistas através da propaganda ideológica de extrema direita; e eles ficaram muito agradecidos, com excessão do menorzinho, que ainda desacordado permaneceu apático e foi dado como morto, sendo enterrado no jardim numa cerimônia improvisada. É bastante comum o óbito numa gravação, como explicado aos membros da família 2. Serviu-lhes de consolo o paradeiro da família número 1. Os infelizes tiveram suas cabeças explodidas quando ante o esforço sobrenatural para ler um texto de 1/2 página inteira num ensaio.

Por via das dúvidas, tiramos o diálogo que abriria o clipe, de maneira que a família número 2 só precisaria, agora, agir naturalmente como completos imbecis sem que soubessem que estavam sendo filmados.

direção de arte
No que tange à direção de arte, temos uma paleta nacionalista com predominância das cores Verde-Amazônia, Amarelo-Incêndio e o Laranja, esta maravilhosa frutinha que movimenta a nossa economia. Não pensem ser a laranja uma referência às inverdades da imprensa esquerdista; afinal, trata-se aqui de um clipe de natureza patriótica, nacionalista, apartidária e 100% Jesus.

tiro-ao-livro
Agora, ao que interessa: a trama. Num clube de tiro, a bolsofamily dispara contra livros que servem de alvos. As páginas se espalham pelo chão agonizantes e, como num golpe baixo e desesperado, ainda assim revelam seu conteúdo impróprio; são, para nosso alívio, bravamente enfrentadas por mais tiros. Gosto particularmente da cena em que o pai faz um rolamento como um herói de um filme gospel de ação e com as mãos tampa os olhos do filho que estava prestes a ler um quadrinho, livrando-o de influências homosexualizantes.

Transição
Coreografia animada com bolsofamilies com os rostos pintados e sendo arrematada por high fives.

amazônia
Corta para uma estradinha de barro cortando o coração da floresta amazônica. Uma senhora de ar perverso inspirada na Madre Tereza de Calcutá passeia com sua bicicleta barra forte enquanto derrama gasolina na beira da estrada. Fazendo o papel do índio, temos finalmente o Cigano Igor, que ateia fogo na floresta amazônica.

os bons vencem
Chegamos ao ápice do clipe com a reação das bolsofamilies e madeireiros de bem. O Cigano Igor grita que ele não é indígena, mas um cigano, sendo na mesma atropelado pelo motorista de uma picape que odeia ciganos.

final surpreendente
A cena dos atropelamento nos traz de volta ao clube de tiro ao livro, vista pelo celular da mãe da bolsofamily no whatsapp.

A câmera percorre o chão de papel picado, onde está o que sobrou da Metamorfose de Kafka depois de ser metralhada: “certa manhã, ao despertar de sonhos intranquilos…”. Corta para a bolsofamily sendo assombrada em casa por uma kafta, a famosa iguaria árabe.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Ovino, o cabra

Ler em como um leitor

Que o leitor seja a voz de quem lê, não uma tentativa de emular a voz de quem escreve.

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voz alta
O hábito me ocorreu por necessidade, como uma medida para driblar a falta de concentração. Descobri que mais do que me manter dentro da história, ler em voz alta era sentir a história também fisicamente.

triste bahia, tão dessemelhante
A vida num apartamento de frente para o mar, na praia da Barra, tinha ares de novela das seis. Meu único problema, o trabalho, era contornado com irresponsabilidade metódica: chegando sempre tarde, saindo o mais cedo que conseguia, sem ser percebido, de maneira a passar pouco tempo dentro de um escritório e o máximo possível pelas ruas e praias de salvador; assim, tentava aproveitar aquela fase da vida da melhor maneira: vivendo férias sem necessariamente avisar a quem me contratava.

O meu apartamento cheirava a maresia, tinha areia pelo chão, roupas molhadas penduradas, uma prancha de surf, ventania, barulho de ondas, burburinho de turistas, parecia uma casa de praia; eu nunca estava de camisa. Depois de algum tempo, nem mesmo tirava o sal do corpo.

Nos fins de semana eu dividia a minha vida entre a praia, o pelourinho e a livraria. Pelas manhãs eu nadava, surfava, corria ou pedalava. E, lá pelo fim da tarde, eu pegava a bicicleta e ia para a siciliano. Escolhia um livro da prateleira de ficção e sentava no café de onde só saía com a história concluída. Eu era um cliente esquisito: me dirigia ao caixa para pagar por um livro que acabara de ler. Foram poucas as vezes que deixei o local com uma leitura inacabada; ou com sono, porque bebia muito café.

À noite, eu zanzava de bicicleta pela orla, comia acarajé e ia ao cinema. Vi muitos filmes ruins, mas gostei de Corra!, embora talvez não tanto quanto muitas pessoas parecem ter gostado depois.

cápsulas de revólver no sofá
Quando eu lia em casa, era preciso aumentar o tom da voz para manter a concentração. Com isso, o apartamento era preenchido pelas narrativas; e logo, personagens acotovelavam-se pela cozinha; no banheiro reverberava a voz do velhinho safado de García Marquez, ou a de um Beckett triste sentado à beira da cama esperando alguém que nunca vinha; pelo sofá, havia migalhas do insosso sanduíche de cebola de Sancho Pança, bem como cápsulas de um faroeste; impregnava o cheiro de gasolina e pele de queimada de Desonra. Artesanatos de um planeta distante, inalterado por mãos humanas, decoravam a estante; um remo de Hemingway escorado na parede ao lado da cauda podre de um marlin que teve o resto de seu corpo devorado por tubarões; pelo meu apartamento, havia qualquer palavra cuspida pela minha boca.

ideia boa é ideia que matura
Pensei comigo: se eu leio em voz alta para mim mesmo, poderia também fazer isso para outras pessoas. Criei naquela época um canal no youtube chamado “O Leitor”, com a ideia de gravar as histórias, mas depois esqueci isso e nunca mais mexi nele.

Os planos para mim nunca acontecem rápido; gosto que sejam assim. Se uma ideia me persegue por alguns anos, e eu me vejo ainda pensando nela depois de tanto tempo, começo a considerar a hipótese de colocá-la em prática.

Invenção de menino buchudo
Um dia desses, dois anos depois de sair de Salvador, eu entrei no Mercado Livre e comprei um kit de gravação caseira de áudio: um Tascam portátil, um aparador de vento, um tripé de mesa e m, de repente, estava registrando as minhas leituras.

a balada do fumante rouco
Nas últimas noites, tenho lido em voz alta os contos e novelas de Robert Louis Stevenson, como “O Médico e o Monstro”, “O Diabo na Garrafa” e o “O Clube do Suicídio”; este último, dá título ao livro que, de tão bom, tem o logotipo da Cosac Naify impresso nele.

método
Se antes eu apenas lia em voz alta, agora o hábito ganhou método e com isso assumiu ares de trabalho, mas um trabalho bom, que invade a madrugada: eu leio de frente para o gravador por algumas horas; às vezes em pé e às vezes sentado, mas jamais deitado; ficando atento para a entonação, respiração, ritmo e esse tipo de coisa; errando mais do que acertando, mas tranquilo em relação a isso; depois, eu escovo os dentes, bebo água e deito para dormir ouvindo a gravação que fiz. Eu me coloco para dormir lendo uma história para mim mesmo. É a minha voz em um gravador embalando meu sono com o texto de um homem morto (o que é bem estranho, se pararmos para pensar). De qualquer modo, pouco a pouco, as leituras ganham naturalidade; a respiração melhora, a interpretação também, as palavras são mais bem articuladas; e, de repente, dependendo do humor, como uma maré que vira de repente, tudo pode soar penoso, sonolento, cansado, inseguro; porque o leitor é parte da história, que muda com ele.

promessa é decepção
Que o leitor seja a voz de quem lê, não uma tentativa de emular a voz de quem escreve. Para isso, devo fazer todo o trabalho de maneira relaxada, errando sempre quando possível.

Aprendi que não se deve prometer nada. Então, não devo dizer que vou disponibilizar algum dia, porque isso pode levar semanas ou anos, a leitura de contos de R. L. Stevenson e Robert Sheckley. Também devo convidar alguns amigos para fazer isso comigo.

Assim como nada disso pode jamais ocorrer. Dupla negativa.

ovino, o cabra
Para fins de marketing, devo utilizar esta cabra  de barbas longas e olhar gentil como o rostinho bonito do projeto. Talvez ela ganhe um nome, venha a ser uma personagem ou o próprio leitor (que tem a minha voz, mas é o cabra, e que isso fique bem claro).

camelô de trocadilhos
Trabalho com uma redatora que uma noite dessas sonhou com um camelô de trocadilhos. No sonho, havia até mesmo uma rima rica: “Alírio, Alírio! O camelô de trocadilhos!”.

Eu conheço um camelô de trocadilhos de verdade. O meu amigo não chama Alírio, mas Felipe, e é a pessoa mais indicada para quem procura um trocadilho sofisticado para pronta-entrega. O cara é rápido como quem rouba. Quando eu contei a Felipe sobre a minha ideia de uma cabra que lê literatura, na mesma hora ele me apedrejou com um trocadilho.

– Já pensou num nome para o bode?
– Ainda não.
– Pode se chamar Ovino.

 

Um abraço fraterno,
Márcio N.

A propósito: aqui tem uns bons trocadilhos de Felipe.

diário #09

a velha foto
m.n.f. / 2019

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Vagabundo iluminados de um dia nublado. A manhã foi preenchida com chuva, água de coco, cigarro e banho de mar. Era uma terça-feira monótona em Ponta Negra, berço civilizatório de meus melhores anos. A Canon e a fotografia eram uma descoberta recente e eu tentava enquadrar Arthur, Rodrigo e a Jangada. As primeiras formas de vida vieram do mar, de onde realmente nunca saí. Acabara de voltar de uma temporada de um ano na África, a primeira vez que estive realmente longe de casa, e de alguma forma eu redescobria em Natal, na praia em que cresci, o meu lugar. É para onde sempre volto, como num looping agradável, para o mesmo ponto de partida eternizado. Como é esta foto. Ela tem oito anos e há oito anos estão aí, eles, os três.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Foto original e com cor está em buchoterra

Continho #12

CHICLETES

m.n.f. / 2016

chicletes bruno moura marcio nazianzeno querido bunker ilustracao literatura

“Desculpe, mas você coçou o nariz com meu cartão.”

“Eu acho que não, senhor.”

O vendedor deu uma última olhada no meu cadastro.

“Se os chicletes apresentarem algum defeito, senhor tem até sete dias para trocar o produto aqui na loja. Depois disso, só com o fabricante.”

Os chicletes são presente meu para o menino. Trabalha na fábrica desde que nasceu, o menino, e nisso já se vão uns doze anos, embora ele aparente ter menos. O convite de aniversário diz outra coisa, que o menino está para completar trinta e dois. O tempo na fábrica passa desapercebido, de modo que, tendo nascido aqui, o menino parece um relógio quebrado.

A minha filha mora no almoxarifado. Hoje ela acordou com setenta anos, sendo agora mais velha que eu. Chamar de filha aquela senhora parece errado, mas se o faço é porque ela continua a me chamar de pai, e, em última análise, seria falta de educação tratar a velhinha por outra coisa. Casar-se-á com o menino, mas não sei como vai ser isso, se até o dia do casamento as idades deles dois não se encontrarem.

O movimento na fábrica está meio parado nos últimos anos. Passamos a inventar funções para manter o pessoal ocupado, especialmente os novatos. Por algum tempo, o trabalho foi desenroscar os parafusos dos móveis no turno da manhã e apertar tudo de novo no turno da tarde. O único contratempo era na hora da sopa, um perigo, com a mesa do refeitório tão frouxa que mais parecia uma rede de tanto que balançava. Continua assim ainda hoje. Há muito que paramos de apertar qualquer coisa, de todo modo.

O menino está feliz da vida mascando uma fatia do chiclete novo.

“Não gaste tudo de uma vez, garoto.”

“Pode deixar, senhor!”

O menino tira um vidrinho do bolso e cuidadosamente guarda o chiclete dentro. Assobia, enquanto varre o teto.

Ilustrado por Bruno Moura para o Sem Alarde

Continho #11

NINHADA

m. n. f. / 2016

querido bunker bruno moura marcio nazianzeno literatura ilustracao

Dizem que eu era uma criança bonita quando nasci, mas isso foi antes deles me trocarem na maternidade. Nos meus primeiros dias, a mulher que se dizia minha mãe percebeu uma protuberância à altura do meu cóccix e que, mais tarde, revelou-se um vistoso e encarnado rabo. A destroca mostrou-se impossível e, visto que nunca mais fui achado, aqueles que se diziam os meus pais decidiram me criar como se eu fosse eu mesmo.

De tanto eles falarem que eram os meus pais eu passei a me referir a eles dessa forma. Mas, se alguns avós são duas vezes pais para os seus netos, os meus pais eram como bisavós para mim, sendo até três vezes mais velhos que pais comuns. Eles morreram na minha primeira infância e deles pouco me lembro. A memória mais nítida vem do dia de um aniversário meu. O meu pai desmaiado sobre a mesa e a minha mãe gritando; ao invés de apagar a vela, eu na minha meninice soprei fogo incinerando o bolo.
Jamais pude conhecer meus pais biológicos e quisera eu ter tido essa mesma sorte com os meus filhos, pois se não os conhecesse eu não precisaria dar-me ao trabalho de querê-los bem. Às vezes me pego pensando que talvez eu não seja o pai deles realmente, só um estranho que dorme na casa onde as criaturinhas moram. Ao todo são oito filhos entre meninos, meninas e hermafroditas.

As crianças são extremamente saudáveis e brincalhonas, têm recebido uma boa educação e como religiosas que são vão ao exorcista todos os dias. Devo dizer que o único defeito delas são os genes recessivos da minha linda mulher, que cria os meus filhos como se fossem dela ainda que dela eles não tenham nada.
Por oito vezes ela deu a luz e por oito vezes acorreu da mesma forma. Ela primeiro coloca a mão no quadril, como se estivesse muito cansada, depois se ajoelha apoiando os braços no chão. Quando está de quatro ela começa a tossir, primeiro devagar e então com mais força e ritmo, lembrando muito um gato engasgando com uma bola de pelo. A barriga ondula em movimento peristáltico empurrando a criança para cima, pela garganta, até finalmente sair pela boca. A minha mulher sempre preferiu o natural ao bisturi, pois a cesariana “rouba a experiência mágica do parto”. Estive presente em cada um dos nascimentos. O primeiro foi no restaurante e naquele dia pensávamos que ela tinha se engasgado com uma espinha de peixe. Quando o bebê caiu sobre o prato, todos os presentes aplaudiram muito.

As crianças são a vida dessa casa e, além de provavelmente mais rico e feliz, eu não saberia dizer o que mais seria de mim sem elas. A mais nova agora cismou de engatinhar de cabeça para baixo no teto. Quando ela faz isso eu tenho que espantar ela de lá com uma vassoura: eu bato, ela se desprende girando no ar e gargalhando e cai em pé, felina. Imediatamente engatinha de volta para o teto, como se aquilo fosse um escorrego, para então me flertar com os olhões vermelhos, a cabeça girando como um peão, até que eu a derrube de novo. As crianças tem muita energia, realmente, por isso os pais não tem mais nenhuma.

A minha mulher voltou a pouco da igreja com o adolescente. O exorcista nos advertiu de que não há muito o que a gente possa fazer em relação aos rituais de magia negra que o menino anda metido, que logo passa, que é da idade, mas por via das dúvidas é melhor evitarmos animais de estimação por um tempo. A minha mulher está particularmente bonita hoje, mais radiante que o normal, sorri o tempo todo. Tento engendrar uma conversa quando ela simplesmente escancara a boca, engasga como um gato e tem mais um filho.

Ilustrado por Bruno Moura para o Sem Alarde

Continho #10 _miniatura

VIDA DE UM HOMEM COMUM

m.n.f.  / 2016

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Levamos uma vida tranquila e não saímos muito de casa — nos fins de semana, às vezes, gostamos de apostar sexo na sinuca. Moramos num predinho simples sem elevador, nem muito menos escada, de modo que para entrar em casa você precisa escalar pelo lado de fora. Propriamente o que faço agora, meio sem jeito e esquivando dos vizinhos, pendurado numa caixa de ar-condicionado no terceiro andar. Apoio o pé no parapeito e, sem muita dificuldade, entro pela janela.

O apartamento é minúsculo. O teto é mais baixo que o normal. Você precisa andar de joelhos, como um bicho, porque embora o dinheiro seja pouco, ao menos dava para um teto, ainda que baixo, ainda que em meio apartamento. É mais que o suficiente, devo dizer.

Ainda a pouco engatinhei para o quarto onde a minha dona está dormindo. Dou-me conta, não pela primeira vez, de que ela é agora uma mulher envelhecida. Continua bonita, mas de outro modo. Antes de adormecer olho para um retrato nosso sobre a cabeceira. Eu usava uma coleira e estávamos numa praia, ambos sorríamos.

Ilustrado por Bruno Moura para o Sem Alarde

Diário #08

Russos

m.n.f. / 2016

russos bruno moura querido bunker marcio nazianzeno

Ontem deram uma festa no apartamento ao lado, onde moram os russos. Teve polca, tiros, momentos de silêncio e mais tiros e isso durou até umas cinco da manhã, sendo que, às duas, fui lá pedir silêncio. Um russo me disse alguma coisa em russo e entendi que eu deveria entrar e ficar à vontade. Tentei me entrosar com um grupo na mesa de carteado, que na ocasião jogava uma partida de roleta-russa. Lembrei dos tiros de mais cedo e tudo fez sentido. Apesar da grosseria tipicamente russa, quando alguém morria de uma hora pra outra sem ao menos se despedir, até onde lembro tudo correu bem. A certa altura eles riram não sei de quê, então eu ri com eles, então eles riram de mim e logo estávamos todos bebendo e gargalhando, gargalhando e atirando, atirando e nos divertindo. Esses russos sabem mesmo como dar uma festa.

Hoje, segunda-feira, acordo com uma ressaca terrível. Tomo um banho quente, bebo uma xícara de café, visto o chapéu, que é efetivo em esconder o buraco na têmpora, e saio para o trabalho. No elevador, me dou conta de que esqueci o resto da roupa. Protejo as partes com o chapéu e volto para o meu apartamento. Segunda é um dia difícil…

lustrado por Bruno Moura no Sem Alarde

 

causo #08

Uma história de redenção
m.n.f. / 2019

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O avô de um amigo trocava cartas com Adolf Hitler. Isso foi antes da segunda guerra, quando uma boa parte do mundo ainda via o genocida como um simpático e inofensivo gestor público.

Por isso, chegou em Berlim uma carta com remetente da Paraíba e que dizia mais ou menos o seguinte:

Prezado Adolfo

Espero que o senhor esteja bem.

É com imensa alegria que dou a notícia de que serei pai e, como um grande admirador do seu trabalho, é de consenso entre eu e a minha amada esposa batizar o nosso filho com o seu nome.

Para nós, mais que um orgulho.

Cordialmente,
Severino Silva

A carta comoveu o nazista.

Caro Silva

Fico muito feliz e surpreso por ter admiradores no Brasil. Desejamos toda a saúde para o seu filho, a sua esposa, bem como toda a sua boa linhagem.

Um abraço,
Adolf Hitler

Dali a pouco, nascia no seio de uma humilde família do interior da paraíba o pequeno Hitler, um bebê que logo conquistou toda a casa. Não é necessário dizer que mais tarde as notícias chegadas da Alemanha perturbariam o casal.

— Batizamos nosso filho com nome desse monstro! — queixava-se a mãe.
— Eu não imaginava… que tragédia… — lamentava o pai.
— Queime aquelas cartas! — ordenava.

Esqueceram o assunto e criaram da melhor forma que podiam o pequeno Hitler, que cresceu cercado de todo o afeto de uma família amorosa. Hitler formou-se em direito e dedicou sua vida a construir um mundo melhor e mais justo.

Chegou o momento, portanto, em que Hitler seria pai.
— Pensei no nome para o meu filho… Mahatma Gandhi.

E foi assim que, na fantástica Paraíba, Hitler deu origem a Gandhi.

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De Franklin Roosevelt a Miguel J. da Silva: uma viagem de quase-ilha por coisa nenhuma.

Exceto a Oeste, onde à sua cacunda se estende o Brasil, é uma quase ilha. Ao nadador mais experiente, está a poucas braçadas do Cabo de São Vicente a Noroeste, das ilhas de Cabo Verde ao Leste e do Cabo da Boa Esperança a Sudeste. Para o Sul e ao Norte não há nada além de pinguins que justifique molhar-se todo numa travessia.

É, ao lado de Suez, Bósforo e Gibraltar, um dos quatro pontos mais estratégicos do mundo. Franklin Roosevelt (1882–1945), em 1942, fez dela base militar; e assim pôde, mais tarde, realizar o sonho de lançar bombas atômicas sobre famílias japonesas.

O clima é pacífico e o ar atlântico, marítimo. Os ventos convertem em ferrugem tudo o que tocam em seus dedos, o valor da modéstia em midas; defesa de um organismo inteligente que deteriora aparelhos de televisão, computadores e celulares antes que eles deteriorem a nós mesmos.

A geografia é moldada ao sabor do vento, que, por sua vez, tem sabor de areia. As dunas movem-se indecisas, remodelando a paisagem e revelando, não raro, esqueletos dos que ali entraram um dia. Na falta de lógica, há em compensação dromedários, embora igualmente confusos sobre se estão em Namíbia ou Saara, quando, na verdade, não estão em uma coisa, nem muito menos na outra, mas muito provavelmente nas duas; uma vez que estamos sempre onde acreditamos estar, e onde estávamos mesmo?

Generosa, a quase ilha cedeu o Presídio Fernando de Noronha a colônia Pernambuco. Vulgarizada pela incapacidade administrativa dos pernambucanos, a Alcatraz Latina teve desperdiçado seu potencial pesqueiro, de extração natural, além da caça, sobretudo a humana dos detentos em fuga; para entregar-se, de mãos beijadas, ao turismo predatório e suas máquinas fotográficas.

Celeiro de grandes atletas, foi onde nasceu Café Filho (1899–1970), goleiro do Alecrim F.C., a quem uma lesão na pélvis afastou-lhe da carreira e afundou-lhe em desgraça; incapacitado e sem suportar a vergonha, fugiu para o Brasil onde sobreviveu fazendo bico de Presidente da República.

Mãe de homens de sonhos altos, presenteou o mundo com o aspirante a político, cientista e bem sucedido defunto, Miguel Joaquim da Silva (1939–2015), responsável pela invenção do leite encanado nas escolas, da grande ponte transoceânica, da xenofobia humanitária e outros projetos que, se não saíram do papel, ao menos floresceram de sua imaginação e isso já é mais do que o suficiente.

Foi descrito pelo conterrâneo Luís da Câmara Cascudo como um homem que nunca vira mais gordo, sobretudo porque nunca se cruzaram.

Fecham aspas.

Do nosso correspondente espiritual, Winston Churchill da Silva

Com um abraço fraterno,
de ninguém menos, nem nada de mais…
Márcio N.

Água viva _travessia na noite do mar

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Era lua cheia e partimos do Morro do Careca na Praia de Ponta Negra até o catamarã que fica a uns quinhentos metros da areia. Normalmente não levaríamos mais que vinte minutos para ir e voltar, mas durante a noite, sem orientação alguma, custa um pouco mais. O ritmo das coisas e o próprio tempo é mais devagar, porque a noite tem calma e o nado no escuro fica mais lento e cuidadoso: você tateia e se arrasta pela superfície, como se fizesse uma inspeção cuidadosa no vazio, pelo menos até pegar confiança. Também engole um pouco de água, principalmente quando contra a corrente, com as ondas quebrando na cara. Se à noite o mar parece mais calmo e silencioso que de costume, abaixo da linha de água ficam atiçados os bichos. Na lua cheia, não sei o que acontece, agitam-se mais. Peixes saltam na água o tempo todo. Ganhamos em iluminação e cenário, bem como outros estímulos. Peixinhos mordem, picam, esbarram, atacam, esguicham, cantam. Uma barbatana que emerge e desaparece ao nosso lado. Mais uma vez. O golfinho salta. O choro de um bebê é a tartaruga que passa invisível. As luzes da cidade, vistas de longe, são a única orientação que se tem. A névoa luminosa dissipa no céu úmido a confundir-se com o céu estrelado da via-láctea. Tudo é escuridão e silêncio e ninguém se atreve a falar, portanto, de algum modo, é também solidão. Desaparecemos no vazio de água morna, sem saber ao certo há quanto tempo estamos ali. Mal havíamos entrado no mar e todos já estávamos queimados pelas águas vivas. Dia quente de verão e lua cheia, era certo que elas apareceriam. Não me acertaram o rosto, somente o resto do corpo, o que foi um alívio quando parei para pensar nisso. De volta a areia e com erupções subindo pela pele, observo o catamarã que flutua a quinhentos metros de mim. Balança e acena, de longe. As queimaduras incomodam, mas também agradam. Certa vez, eu saía do escritório e fraturei o pé entrando num táxi. Hoje, eu me queimei com águas vivas na noite do mar. Há uma evolução bastante considerável nisso tudo. Talvez, a travessia mais longa seja essa.

Abraço fraterno,
Márcio N.

Prestação de contas

limpando-oculos

Minhas sinceras desculpas.

Também já vinha eu meio acuado com o assédio dos dois ou três gatos pingados que por aqui se refugiavam, de maneira que numa noite dessas eu apaguei e bloqueei todos os comentários que já soltaram por aqui.

Ah, se eu pudesse voltar no tempo… apagaria tudo de novo.

Não entendam mal: eram só elogios, muitos deles, quando eu era quase sempre obrigado discordar deles. Que foi uma grosseria, isso foi. Mas o que há de errado nisso? Vivemos em tempos de guerra desde que o mundo é mundo e você já deveria ter se acostumado a esse tipo de coisa… Ora, ora.

Chorar é humano.

Escrevo isso sem pensar, mas já concordando, e agora que dito já está…

O riso é privilégio dos doidos.

Agora, sim: continuemos.

Imaginávamos que seria mais fácil falar sobre qualquer coisa por lá, pelas social media… De repente todos estavam em fotos viagens, jantares, praias, tudo o que se possa imaginar… a feiúra em proporções atômicas.

Bombas não param de desabar. Vivemos um tempo sombrio, meio neon, meio azulado com hashtags e piadas internas globais. Ah, desgraçaria.

Precisamos de um abrigo seguro, e é pra já.

Sente-se num tamborete, portanto, e beba conosco um caroço de água. Tire a poeira dos óculos, comecemos a faxina, porque voltamos para casa: debaixo da terra, mas ainda acima de sete palmos dela… Benza Deus!

(Não que a gente queira. Mas porque é o jeito.)

Fiquem com o meu au revoir.

Abraço fraterno,
Márcio Naz

Courtney Barnett

Sexta-feira. Um amigo vem almoçar em casa e mostra uma banda nova. Fala das letras divertidas. A banda é essa aí, Courtney Barnett. Então, mostra uma onde a menina, essa aí, fala que decide arrumar o jardim porque a casa anda tão descuidada que os vizinhos já devem suspeitar que ela é traficante de metafentamina, e do refrão, em especial, quando canta suavemente que está com dificuldades respiratórias. Então, foi isso. Boa sexta-feira.

Lance Jr 1:04 Don’t Apply Compresion Gently 4:30 Scotty Says 8:15 Canned Tomatoes (Whole) 12:24 David 16:35 Are You Looking After Yourself? 20:32 Out of the Woodwork 27:00 Avant Gardener 34:46 History Eraser 40:07

Abraço fraterno,
Márcio naz

Obrigado, Charlie

JesuisQueridoBunkerMarcioNazianzeno

Os tiros na redação da revista me ajudou lembrar o papel de quem escreve.

Quando se evita o desconforto que escrever pode causar, somos tudo, menos escritores. Fazer algo seriamente envolve tensão e, por mais que você evite, o choque sempre vai existir. Li hoje sobre um mágico que foi decapitado porque ele entretinha sua plateia. Ou, no Brasil, hordas que cometem linchamentos aleatórios porque se consideram justiceiros. Quando se lida com pessoas, você está exposto a tudo, justamente porque algumas dessas pessoas são completamente malucas. Escreva portanto o que acredita, porque, haja o que houver, você ao menos não terá se enganado.

Se você quer ser um homem de família, um empresário bem sucedido, um político ou um bom vizinho, não escreva. Seja médico legista, é mais agradável. Escrever é expor seu lado antissocial e esquisito, faz de você alguém próximo do leitor e afastado do resto.

O escritor em seu texto é um tipo mal educado. Não é papel dele pedir licença ou se desculpar. Ele é pago para dizer e o que está dito, está dito. Os tapinhas nas costas são inimigos e escrever é falar o que não deve sem ser interrompido.

Mesmo escrevendo só ocasionalmente, já posso tocar no assunto: fiz coisas inúteis, coisas que acho boas e outras mais ofensivas. As inúteis são uma boa distração e por isso servem de alguma coisa. As interessantes atraem pessoas boas, mas também os canalhas. As ofensivas funcionam como um filtro que afasta os cretinos e mantém os bons.

Jornalistas que brilham na ascensão fascista e conservadora do Brasil sofrem ameaças de morte o tempo todo. Alguns deles, na ocasião do que ocorreu em Paris, se compararam aos chargistas franceses e viraram piada também por isso.

Meus amigos de esquerda acham que os jornalistas do outro lado não defendem causas boas. Mas a melhor causa é sempre a própria causa e por isso ser juiz do pensamento do outro é a origem de, se não de todo o mau, de boa parte deles.

Uns vêem suas tripas traçando parábolas no ar por causa de malucos religiosos. Outros são xingados na rua por causa de uma camiseta. Tem jihadista de todo tipo, causa e religião e todos eles tem absoluta certeza de que estão certos. O mais certo é não ter certeza de nada.

Uma coisa que fiz: dormi num acampamento no deserto do Sahara. No deserto, eu bebi uísque e fumei com meu guia. Ele era islâmico. Em uma rua de São Paulo, precisei ficar calado para o meu sotaque não me denunciar estrangeiro a paulistanos bêbados. Há intolerância em toda parte, mas não em todas as pessoas.

O escritor se expõe quando escreve e esse afinal é o seu trabalho. Quando atacaram a revista francesa fiquei assustado e depois estranhamente aliviado. Eu vi que não há do que ter medo num mundo onde não se tem controle sobre nada.

O que um escritor escreve é a cretinice dele. O que os cretinos fazem é a obra deles.
Abraço fraterno,
Márcio N.

Fábula #38

O duende teimoso
m.n.f. / 2014

Era uma vez um duende que tinha uma boa estatura, orelhas ovais e  uma voz que, exceto quando pega um resfriado, não parecia em nada a voz de um desenho animado: tinha a aparência do mais comum dos homens. Ainda assim, há nessa estória um duende e isso é um bom começo.

Trabalhava autenticando documentos.

— Bom dia. Em que posso ajudá-lo? — disse o duende.
— Você não está me reconhecendo? — disse um velho.

Com a barba longa e ar profético, o velho lembrava um velho mago.

— Sou eu mesmo, seu professor de matemática do primeiro ano.— completou o velho.
— Ah, há quanto tempo! — disse o duende ligeiramente decepcionado.

Que era um duende, disso nós sabemos e ninguém mais. Até um dia.

Como de hábito, o duende voltava para casa cantarolando uma canção incompreensível de duendes.
Era justamente o que fazia quando, vindo de um beco, uma voz que parecia a de uma perereca sendo estrangulada.

— O hino das três luas da floresta negra!

Ele jamais poderia esquecer aquela voz encantadora.

— Bruxa, o que faz aí? Eu achava que você já tinha morrido. — disse o gnomo.
— Bruxas não morrem! Agora, venha me ajudar a encontrar uma perna de gafanhoto. — disse a bruxa.
— Vai fazer uma sopa? Então acho bom procurar também baratas — concluiu o gnomo.
— Sim, eu sei que você adora, meu rapazinho! — disse a bruxa.

Conversaram bastante tomando uma sopa de perna de gafanhoto e asa de barata.

— Será que estamos velhos? — perguntou a Bruxa.
— Não, o mundo é que está. — disse o Duende.

Moral: sábia é a criança teimosa, que não abre mão do que gosta só porque cresceu.

Direto do Bunker #03

Notícias da última hora. CLAUDIA

  • Clan amplia seu mix, lança próprio cuscuz e é acusada de racismo.
  • Censura: show da dupla infantil Curirica e Sincronheta é cancelado.
  • Divulgada nota oficial de Curirica e Sincronheta: “A gente só quer fazer o que sabe, que é tocar”.
  • Professor Pasquale adverte: cuscuz é com “s” e “z”, mas também vai bem com ovo e salsicha.
  • Vereadores recebem novo aumento: “Com a alta do dólar, Miami ficou caro.”
  • Inventor do timmer nas câmeras fotográficas desabafa: “hoje em dia, as pessoas acham mais fácil andar com um pau.”
  • Físico da UFPE afirma que epicentro do universo está localizado no Recife.
  • Em Santa Catarina, físico encontra epicentro do universo no Rio Grande do Sul.
  • Para físico de Natal, epicentro está ao lado do posto Esso da Roberto Freire e se chama Samantha.
  • Em Ponta Negra, turista festeja: “Não sabia que era tão bonito, parece Cláudia Ohana ao contrário.”
  • Genuinamente brasileiro, arrastão é tombado patrimônio cultural da humanidade pela UNESCO.
  • Investidor dá dicas de quanto aplicar para ter R$ 1 milhão em 10 anos: R$ 4 milhões.
  • Ex-crente no De Frente com Gabi: “Nunca fume crack. Você pode acabar virando evangélico.”
  • Homem caminha do Alecrim ao Himalaia depois de se perder e pedir informação a um queniano.
  • Executivo pede demissão para ter tempo de administrar suas redes sociais: “i like it”.
  • Vereadores vota pela proibição dos selfies na Câmara: “Somos feios”.
  • Prefeito de Natal defende criação de Hotel na Via Costeira: “Praia é uma invenção dos comunistas para tirar nossa atenção dos shoppings”.
  • 50 tons de bíblia #01: “A tua vara e o meu cajado me consolam.” (salmos 23:4)
  • Em leilão de virgem na internet, expressão “quem dá mais” estaria expressamente proibida.
  • Virgindade de adolescente arrematada por um sorvete, um cinema e uma carona de volta pra casa.
  • Hacker divulga na internet foto de celebridades vestidas.
  • Celebridade que teve fotos divulgadas com roupas da C&A comete seppuko.
  • Julien Assange cria o WikiWhats, o wikileaks dos whatsapp.
  • Câmara dos vereadores ganha novo slogan: “Natal. Mame-a ou deixe-a.”
  • WikiWhats revela conversa entre Pasquale Cipro Neto e Jair Bolsonaro.
  • <Pasquale> não é istrupo, é estupro // <Bolsonaro> importa saber fazer, não falar.
  • WikiWhats seria estopim da terceira grande guerra, aponta Britney Spears.
  • Escritor médium lança livro: “Eu não sabia que isso era tão divertido”, do espírito Chico Xavier.
  • Com fim de embargo, Ronald McDonald luta por cidadania cubana.
  • Populares dizem ter visto ônibus circulando nas ruas de Natal após as 23h.
  • NASA investiga aparição de ônibus: “não se preocupem, era apenas um buraco negro.”
  • 50 tons de bíblia #02: “Deus ama quem dá com alegria.” (2 coríntios 9:7)
  • Em Natal, tenente da Lei Seca detém homem que conduzia sóbrio: “um excêntrico!”
  • OnG distribui lentes de contato nas cores azul e verde para viciados em crack.
  • Ex-modelo viciada vai ao Caldeirão do Huck lançar sua própria grife de cachimbos.
  • Moradores de Petrópolis organizam expedição para descobrir a Zona Norte de Natal.
  • Hilneth Correa desaparece em expedição: “assim que ela saiu do carro, desintegrou.”
  • Programa de assistencialismo para bandas de axé, o Carnatal, é elogiado pelo Papa Francisco.
  • Blogueira de moda dá dicas de como se vestir de Salomão para ir ao Templo de Salomão.

Abraço fraterno,
Márcio N.

diário #07

Humilde relato

m. n. f. / 2014 / recife
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Polícia em greve no Recife. Saques, assaltos, assassinatos, carros pegando fogo. Ainda assim, logo cedo saí para o meu jogging matinal. Na primeira oportunidade entrei no clima e assaltei uma velhinha, que foi mais rápida e me assaltou primeiro. Para dar o troco, eu a estuprei. Ela não deixou barato e me assassinou. Esquartejei a velha, ela então queimou meu corpo e o arremessou no rio. Lutamos mais um pouco e a situação foi apaziguada por um traficante que ali passava. Eu e a velha apertamos as mãos, nos esfaqueamos mais algumas vezes e cada um seguiu seu caminho. Agora a pouco, ao chegar em casa, me deparei com um tubarão fumando crack no portão da garagem; tentando não chamar a atenção do bicho, pulei o meu próprio muro para entrar em segurança. Fui confundido com um gatuno pelo vigia, ele me alvejou com tiros de fuzil e aquela foi a terceira vez em que fui assassinado só na manhã de hoje. Absurdo, esse país em que vivemos.

diário #06

Francisco

m. n. f. / 2014

Francisco. Foto: @buchoterra

Francisco é um homem rico. Para a esquerda de casa tem hectares de Mata Atlântica, preservada a tempo e portanto tombada. Sobrevive da agricultura familiar. Ele, mulher, filhos, irmãos, os bichos. Um peru passa entre as galinhas, sem desconfiar do Natal. O pai é saudável. Aos 92 anos, atravessa o vale para visitar o filho; vem a cavalo, ou a pé. Francisco tem um milharal, além de plantações de banana, abacaxi, a horta e limoeiros desenhando a paisagem. A névoa branca da água das bombas de irrigação doura no sol da tarde. É uma imagem bonita. Celular mal pega, quando pega. Fala da transnordestina que por ali vai passar; não sabe se gosta ou desgosta. No vale passa um riacho. Pergunto se tem jacaré, ele confirma que sim.

fábula #37

Fábula #37

 O barril e a pólvora

m.n.f. / 2014

Sejam fortes para o que vou lhes contar, mas os únicos registros dessa história foram destruídos em uma grande explosão. Era uma vez, e isso ninguém pode garantir), na Dinastia Bum da Antiga China, o Barril e a Pólvora.

Barril era feito de carvalho. Pólvora, de farelos de trovão. Ainda que não tivessem nada a ver um com o outro, eles se deram estranhamente bem.

Quando saía para rolar ladeiras com os outros barris, Barril e Pólvora eram o centro das atenções.

— O que você leva aí? — perguntavam Barril e Água.
— Pólvora — respondiam o Barril e Pólvora.
— Uau! — exclamavam em coro os outros barris.
— Já descemos a ladeira, agora parem de girar! — alertavam o Barril e Vinho.

Como lhes foi dito, os registros dessa história foram perdidos em uma grande explosão. Caso contrário, teríamos mais detalhes de quando numa certa noite o Imperador Bum em pessoa acordou com o seu nome proclamado num estrondo. E não só ele, como todos no Oriente saíram das suas casas para ver Barril e Pólvora dançando nos céus da China.

Moral: os opostos se atraem, e, às vezes, se explodem.

diário #05

Mendigata

m.n.f. / 2014

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>> Acabo de ler no blog da Anna Hickmann:
“A ex-modelo must de olhos verdes viciada em pedra comoveu o brazil, ao mostrar que pessoas comuns, e não apenas noiados, podem sucumbir ao horror das drogas. Finalmente, a história terminou bem, porque my BFF Rodrigo Faro, que faz o bem sem olhar a quem, sem pensar em audiência nem dinheiro, colocou a gatíssima e magérrima no lugar onde ela merece, que é na televisão.” (Anna Hickmann)

>> Vi na TV Senado:
“Já tramita no congresso a Lei Anna Hickmann, que obriga a inclusão de noias pretos e feios em programas de entretenimento.” (Cristovam Buarque)

>> Celebridades reagem no twitter, mas desconfia-se de jogada publicitária:
‪#‎SomosTodosNoiados‬

>> Globo lança nova vinheta do Criança Esperança:
“Estação da Luz. Jovem em situação de rua indaga: no céu tem pedra?”

diário #04

Buchada

m. n. f. / 2014

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Um amigo meu que é gaúcho disse que sabe fazer churrasco. Nunca entendi qual é a grande habilidade que existe nisso, porque colocar carne no fogo é uma coisa que a gente faz desde as cavernas… é como fritar um ovo. Talento que me impressiona é o do sertanejo, que costura dentro do estômago de um bicho as vísceras dele, coloca pra ferver e depois reconhece: “eu faço uma buchada que não fede”.

diário #03

Separamento

m. n. f. / 2014

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Carta que acabo de receber de um movimento separatista em Natal.

(Abrem aspas)

Convido dois ou três amigos interessados em separar Natal do Continente.
Cavaremos uma vala à nossa fronteira, zarparemos da América de manhã cedo, flutuaremos pelos oceanos à maneira das calotas polares.
Seguiremos o rastro das baleias cachalote, das aves migratórias e das equipes da National Geographic ou do Wild On.
Nossa embarcação sem âncora não terá língua própria, nem cultura própria, nem nada que seja próprio.
Acostaremos em Cabo Verde, Ilha de Páscoa, Mozambique e Madagascar – ilhá, ilhá do amor. Com alguma sorte, chegaremos a Ásia surfando num tsunami.
Nossa moeda serão tampinhas de Heineken e, a nossa bandeira, qualquer peça de roupa que esteja para lavar.
Fundaremos um não-país e uma não-raça, fadada a ser extinta, como qualquer outra.

(Fecham aspas)

Isaac Newton