Desde o último holocausto nuclear, não há nada lá fora nem mais para nos assombrar; as praias estão tomadas por minas terrestres e a corridinha matinal virou o patinho de aço de um parque de diversões de snipers. Um tédio. A distração mais segura, portanto, nos chega por uma brechinha aberta no bunker por onde um temerário visitante nos entrega um rolo filmes contrabandeado. São vídeos de casamentos, imagens de câmeras de segurança de supermercado, pessoas estáticas acreditando estarem posando para uma foto quando estavam sendo gravas, além de cinema profissional para a nossa distração. Além do que me chega trazido pelo misterioso rolo, há sempre as fugas ao Cine Cultura Liberty Mall, uma tranquila caverna frequentada por velhinhas simpáticas pelas quais tenho muito apreço. São educadas e silenciosas, sobretudo quando partem dessa pra melhor no meio da sessão.
Melhores filmes do bunker em 2019 (ou não) e outras indicações pessoais
Dor e Glória ♥♥♥♥♥ Pedro Almodóvar / Espanha, 2019
As pessoas são boas, mesmo quando a vida não é boa com elas.
O filme começa no interior da Paraíba, com Penélope Cruz lavando roupa com outras camponesas na beira de um rio; para deleite do filho pequeno, a recordar a cena já adulto, Antonio Banderas, meditando submerso numa piscina. Banderas é Salvador Mallo, um diretor de cinema resolvendo conflitos na virada para o terceiro ato do roteiro de sua vida. Um detalhe interessante é que todas as personagens são pessoas boas, numa trama sem antagonistas, em que o conflito está nas relações calcificadas pelo tempo. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall
NO CORAÇÃO DO MUNDO ♥♥♥♥ Gabriel Martins e Maurílio Martins / Brasil, 2019
Observador invisível no município de Contagem.
Estamos na periferia de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Toca Mc Papo (“aqui é Texas”), as pessoas vivem e morrem – geralmente a balas, enquanto evangélicos cantam em seus quintais. A direção é sutil, os personagens convincentes e nos sentimos como observadores invisíveis, o que só é possível num grande filme. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall
O BAR LUVA DOURADA ♥♥♥♥ Fatih Akin / Alemanha, 2019
Não muito agradável de ver
Fritz Honka é um homem fracassado com o rosto deformado. Ele persegue mulheres mais velhas e solitárias que conhece no The Golden Glove, seu bar favorito, e as esquarteja em seu apartamento imundo. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall
ONCE UPON A TIME… IN HOLLYWOOD ♥♥♥♥♥ Quentin Tarantino / EUA, 2019
Compro máquina do tempo.
Saí do cinema com o desejo vender tudo o que tinha, comprar uma máquina do tempo e me mudar para a Los Angeles dos anos 1960; o plano não funcionou muito bem e tudo o que pude fazer foi voltar ao Liberty Mall, pagar novamente pelo ingresso e ver uma segunda sessão. Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall
THE HOUSE THAT JACK BUILT ♥♥♥♥♥ Lars Von Trier / EUA, 2018
Um filme de lars von trier sobre um serial killer só pode ser pesado
A sala do cinema em que vi o filme esvaziou durante a sessão; o mesmo aconteceu quando o filme foi exibido em cannes; o excesso de violência incomoda e a audiência em geral sente-se torturada pelo diretor, a quem consideram sadista; de minha parte, achei coisa fina. Onde vi: Cinemark, Natal
BACURAU ♥♥♥♥ Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho / Brasil, 2019
Cale a boca no cinema.
Se fala alto no cinema, deixe-me dizer uma coisa: você é um idiota. Fique em casa, poupe seu dinheiro, veja qualquer coisa no Netflix, mas não estrague a experiência dos outros. Em Bacurau, sentei três cadeiras ao lado de um falante. Depois de um “shhhh”, a custo de muita coragem, troquei de cadeira e, aí sim, pude prestar atenção ao filme. Bacurau é um filme político e, se é ou não caricato, como andam dizendo, impossível dizer; o filme se passa num futuro tão absurdo quanto é o presente caso o imaginássemos alguns anos atrás. Algumas sacadas são boas: Um jornal chamado “Brasil do Sul”, “Execuções a céu aberto no Aguangabaú”; há um herói local que ganhou fama no youtube pelos seus homicídios na cidade grande, captados por câmeras de vigilância, que lembrou o sniper iraquiano Buba que perseguia soldados americanos em meados da década de 2000; etc etc etc. O filme tem mais qualidades que defeitos, mesmo assim, nenhum tão grave quanto o cara que falava alto na cadeira ao lado.
Onde vi: Cine Cultura Liberty Mall
Midsommar ♥♥♥♥♥ Ari Aster / EUA, Hungria, Suécia, 2019
Sacrifícios humanos podem ser lindos de morrer.
Além do ocultismo, ninfas suecas e plasticidade do filme, o filme conseguiu transportar com muita competência as distorções visuais uma viagem de cogumelo em sua fotografia. O filmão é da a24films.com, a pixar do cinema com câmera.
GRANS (Border) ♥♥♥♥♥ Ali Abbasi / Suécia, Dinamarca, 2019
Raios.
Uma adaptação do ensaio de John Ajvide Lindqvist, escritor sueco de terror, o mesmo de “Deixa Ela Entrar”. Ganhou un certain regard do Festival de Cannes. Sim, há raios, e uma cena brilhante de um pedófilo sendo capturado pelo faro de uma fiscal. Onde vi: em casa.
MAUS MOMENTOS NO HOTEL ROYALE ♥♥♥ Drew Goddard / EUA, 2018
A Ilha de Lost num hotel de beira de estrada americano nos anos sessenta.
Como é bom ver um filme esperto, sem se levar a sério demais. O roteiro segue a lógica de Lost, apresentando o backstory das personagens na medida que a trama se intrinca. Foi feito originalmente para Tv, o que é triste, porque tem o nível de uma grande série, mas não o de um grande filme que merecia ser. Onde vi: em casa, Telecine.
UTOYA ♥♥♥♥♥ Erick Poppe / Noruega, 2018
22 DE JULHO ♥♥♥♥♥ Paul Greengras / Noruega, Islândia, EUA, 2018
Dois filmes, um mesmo tema: o massacre de 2011 na Noruega.
Um filme faz uma anatomia do ódio, enquanto outro filme põe a plateia no meio dos 72 minutos de terror.O diretor norueguês Erik Poppe faz um sensacional (e terrível) plano-sequência em tempo real para mergulhar a plateia no terror das crianças e adolescentes que tentavam fugir aos disparos sem saber de onde eles vinham. Em 22 de Julho, da Netflix, o inglês Paul Greengrass (da série Bourne e de Voo United 93) abre o foco para recriar todas as facetas dessa história – e mostrar como a Noruega colocou Breivik no seu devido lugar com o apoio às vítimas, um julgamento impecável e o exercício justamente dos princípios que o terrorista desejava destruir.” Onde vi: em casa, Telecine + Netflix – Leia a resenha completa da Isabela Boscov.
SORRY TO BOTHER YOU ♥♥♥♥♥ Boots Riley / EUA, 2018
Se Clube da Luta fosse um filme sobre o mercado de trabalho.
Uma ficção científica sombria de humor negro, em que um atendente de telemarketing encontra a chave para o sucesso profissional e mergulha num universo macabro. É um roteiro original, detalhista e com esquisitices maravilhosas. Poderia muito bem ser um livro de Chuck Palahniuk. Onde vi: em casa.
GOOD TIME ♥♥♥♥ Benny Safdie, Josh Safdie / EUA, 2017
O primo frenético de Drive.
Se você gostou de Drive, também vai gostar de Good Time. A fotografia onírica está presente em todo o filme; a tensão é crescente, há interpretações brilhantes e uma história hilária envolvendo um porre de LSD. Onde vi: em casa
Alguns filmes são esquecíveis, e valem no caso de não ter nada de melhor para fazer, como jogar baralho ou, se você for um cão, perseguir pombos. É o caso de Yesterday. Divertido, até certo ponto.
Abraço fraterno,
Márcio N.